“Acho que até nós nos surpreendemos com as coisas que gravamos”
O regresso dos Alt-J é feito com mais músculo. Durante a conversa a propósito do novo Relaxer, o terceiro tomo da banda de Leeds, Gus Unger-Hamilton — teclista e uma das vozes deste coro pop celestial — assume a inspiração momentânea, por exemplo, nos Stooges (Iggy Pop até fez a narração de um dos novos vídeo da banda). Mas os Alt-J não conseguem escapar à delicadeza das melodias, mesmo quando querem encher mais o peito. E ainda bem, que não é isso que se espera deles (puxando da cartada da “expetativas”). “I just want to love you in my own language”, cantam, de forma delicodoce no tema que abre o disco, “3WW”, com xilofones e cordas a servirem de mantinha.
Gus fala-nos de como nasceu este novo disco e da forma de compor e gravar dos Alt-J, sublinhando que, apesar de gostarem muito das digressões, o que sabem fazer melhor é escrever músicas, que têm sempre de contar uma história. Os Alt-J têm já também regresso marcado a Portugal, a um festival que já conhecem bem: o NOS Alive, dia 6 de julho. Ainda assim, Gus, tem pena de ainda não ter tido a oportunidade de tocar por cá em sala fechada.
Relaxer é um belo nome para um disco dos Alt-J. Quais foram as motivações para este disco?
Terminámos a digressão do último disco [This Is All Yours] em dezembro de 2015. Tivemos cerca de oito meses parados, a fazer outras coisas e em agosto do ano passado reunimo-nos e começámos a fazer tudo de novo, a escrever, para começar um novo trabalho. Rapidamente acabámos por fazer umas canções, fomos para estúdio e pronto… estávamos de volta!
Mas esses oito meses foram mesmo parados ou serviram para pensar em novas ideias para músicas?
Temos sempre várias ideias. Acho que andamos todos com gravadores, a gravar ideias nos telefones. São pequenos apontamentos que vamos apanhando e registando durante as digressões, nos sound check ou então nos nossos tempos livres. Quando nos juntámos, em agosto, basicamente foi abrir a caixa e ver tudo aquilo que tínhamos guardado.
“No caso particular da composição, gostamos de o fazer num espaço que nos faça sentir em casa. Temos que nos sentir em casa, que é assim que nos sentimos melhor a trabalhar: como amigos a passar o tempo com instrumentos”
É interessante que a vossa música tem tantas camadas, tantas tonalidades tão improváveis, e mesmo assim conseguem torná-las compatíveis. Quando abriram essa “caixa” de sons que foram recolhendo, a que é que vos soavam?
Acho que até nós nos surpreendemos com as coisas que gravamos — mesmo as mais curtinhas. É sempre um processo divertido voltar a escutar esses apontamentos, porque são coisas que vamos esquecendo e depois, quando voltamos a ouvi-las, lembramo-nos do motivo por que as gravámos. Mesmo que seja pequenina e o resto seja uma merda, costumamos aproveitar sempre qualquer coisa das nossas ideias.
Qual é a tua relação com o estúdio? Achas que é uma espécie de laboratório?
No caso particular da composição, gostamos de o fazer num espaço que nos faça sentir em casa. Normalmente alugamos um espaço que não é daqueles típicos para ensaios, que possa ser algo mais como um apartamento, um estúdio de fotografia ou atelier de um artista plástico. Algo onde possamos estar à vontade. Temos que nos sentir em casa, que é assim que nos sentimos melhor a trabalhar: como amigos a passar o tempo com instrumentos. Depois, no estúdio… essencialmente as gravações é ficar muito tempo à espera, sem fazer grande coisa. Pode ser um dia específico para gravar um ritmo de bateria. O estúdio não é o período mais criativo das nossas vidas, mas é divertido porque nos dá aquele sentido de ter um trabalho “das nove às cinco”.
“O estúdio não é o período mais criativo das nossas vidas, mas é divertido porque nos dá aquele sentido de ter um trabalho ‘das nove às cinco’”
Os Alt-J divertem-se, então, durante a parte criativa.
Sem dúvida. Adoramos fazer digressões, mas o que mais gostamos de fazer — e fazemos melhor — é escrever música.
Onde é que foi o período de composição deste Relaxer?
Estivemos num espaço no nordeste de Londres, em Stoke Newington, mais ou menos perto de onde todos vivemos. Era um armazém todo desarrumado, mas com muita luz. Essencialmente era um sítio para estarmos relaxados. Daí o nome do disco (risos).
Os dois primeiros singles — “3WW” e “In Cold Blood” — parecem ambos abordar esta era informática em que vivemos. Porquê?
Não creio que tenha sido um fenómeno deliberado, mas creio que é capaz de ser a reminiscência de uma banda que é um produto da internet. Talvez tenha que ver com isso, mas honestamente não tenho certeza (risos)! Creio que somos uma banda que está mais interessada em histórias, em boas histórias, mais do que um livro ou um filme. É o que todas as nossas canções pretendem contar: boas histórias.
“Adoramos fazer digressões, mas o que mais gostamos de fazer — e fazemos melhor — é escrever música”
O disco vem também com uma versão do tema “House of The Rising Sun“. Podemos chamar-lhe uma adaptação de uma versão?
Sim, até porque não se sabe bem as origens dessa música, pode ser americana ou inglesa. Não tem muito sentido falarmos de ser ou não uma cover dessa música: essencialmente é uma música folk e somos nós a pegar nela, a brincar com ela e a passá-la a outros. Acho que é isso que pode ser feito com uma canção folk, não é? “If it was never new and it never gets old, then it’s a folk song”, citando Llewyn Davis [no filme A Propósito de Llewyn Davis]. Por isso, o que nós fazemos é exatamente o que as outras pessoas também fizeram com ela: pegaram nela, cantaram-na, mudaram-na e entregaram-na aos outros.
É uma homenagem àquele armazém onde vocês estavam a gravar, cheio de luz solar?
Aí está… quem sabe? Talvez! (risos)
“Compusemos o disco num armazém todo desarrumado, mas com muita luz. Essencialmente era um sítio para estarmos relaxados. Daí o nome do disco (risos)”
O disco vem com alguns convidados, sobretudo nas vozes. Quem são?
Em “3WW” aparece a Ellie Rowsell, dos Wolf Alice, a cantar. Ela é nossa amiga, fizemos digressão com eles e também trabalhavam perto de nós, do nosso estúdio. Queríamos uma voz feminina para a canção e ela cantou-a muito bem. E é bom estarmos naquela fase em que já somos amigos de outras bandas e podemos pedir-lhes favores de vez em quando.
“Somos uma banda que está mais interessada em histórias, em boas histórias, mais do que um livro ou um filme. É o que todas as nossas canções pretendem contar: boas histórias”
Também há uma letra com uma parte em japonês, não é?
Sim, no tema “Hit Me Like That Snare”. A letra da música falava em contar até dez em japonês, então pedimos à nossa amiga Hinoko [Omori] para aparecer e cantar. E é muito bom trabalhar assim: telefonar a alguém e perguntar se quer aparecer para experimentarmos umas coisas. É muito fixe.
E essa é uma das minhas canções favoritas do disco. Tem uma grande vibração rock, a fazer-me lembrar os Stooges, por exemplo. Achas que há uma inspiração mais rock da vossa parte neste disco, não tão celestial?
Extamente. Acho que é um disco mais musculado, mais agressivo. Sem dúvida que os Stooges foram uma referência, até certo ponto, nessa canção. Escrever e gravar essa canção foi quase uma experiência para nós — e gostámos muito! Fizemos muitas experiências, mas no final ficámos muito agradados com o resultado.
Porque é que achas que os Alt-J fizeram um disco mais musculado?
Na verdade nunca é nada deliberado. Quando fazes um disco, basicamente escreves uma série de canções e no final vais ver a que é que o disco te soa. Os nossos primeiros dois discos — sobretudo o segundo — eram difíceis de ouvir, sobretudo porque havia muitas “intros” e “interludes”… e quisemos fazer algo mais direto, que simplesmente estivesse ali: tomem lá oito canções! “Bang”
“Acho que é um disco mais musculado, mais agressivo. Sem dúvida que os Stooges foram uma referência, até certo ponto. Os nossos primeiros dois discos — sobretudo o segundo — eram difíceis de ouvir. Agora quisemos fazer algo mais direto, que simplesmente estivesse ali: tomem lá oito canções! Bang”
Como é que está a ser preparar estas novas canções? É trabalhoso pôr todos os elementos que ouvimos no disco a tocar num palco?
Eu creio que é difícil, exige muito trabalho… mas é um novo desafio. Não é uma tarefa muito criativa, é apenas trabalhosa, muito trabalhosa, investir muito tempo em programações e tudo mais. Mas eu gosto muito!
Entrevista: Bruno Martins