“As pessoas descobrem-se a elas próprias nas pistas de dança. Mesmo sem querer”
O músico, produtor e DJ António Bastos edita, no próximo dia 10 de março, o seu novo disco. Red Love Blue Love tem data de lançamento marcada para o dia em que atua no Lisboa Dance Festival, no Hub Criativo do Beato.
António Bastos esteve para ser engenheiro mecânico, mas deixou-se levar pela mecânica dos ritmos. Primeiro no universo da eletrónica, do house e do tecnho, mas com a paixão por outros universos, sobretudo o da música clássica e erudita. Licenciou-se em Música e especializou-se em jazz, percussão e novas tecnologias; e além de DJ é também maestro no Orfeão de Vagos.
Em Red Love Blue Love, António Bastos não quer fechar fronteiras, mas sim cruzar todas as paixões musicais, sem complexos nem barreiras.
Vais estrear o teu novo Red Love Blue Love ao vivo no Lisboa Dance Festival. Vai coincidir com o lançamento do álbum, também?
É exatamente nesse dia que o dia fica disponível: 10 de março. Só não vai estar disponível ainda em vinil, mas vai estar nas todas as plataformas, sim.
Atrasaste propositadamente o lançamento do álbum até ao Lisboa Dance Festival?
Foi mesmo de propósito, porque acho que é um festival que tem a ver com a minha dinâmica e visão da música. Até estava para lançar no final do ano passado, mas fez-me todo o sentido ser no Lisboa Dance Festival.
E porque é que faz tanto sentido ser neste festival?
O Red Love Blue Love é um disco que sintoniza a celebração da diversidade, que fala do respeito por eu ser aquilo que eu quero ser e não aquilo que a sociedade quer que eu seja. Todo o disco anda à volta disso, à volta da diversidade e da descoberta de nós próprios que hoje em dia se perde muito por causa da pressão social, do ter que fazer e apresentar coisas. A malta esquece-se que primeiro tem o Ser dentro de si e tem que o procurar. É disso que fala o disco. Mesmo nas pistas de dança, as pessoas descobrem-se a elas próprias sem querer: como aquilo está um bocado escuro, também se potencia esse descobrimento por não haver tanto essa pressão social. Aliás, na música “Barbie In The House” até falo disso.
Este é um disco sobre ti e sobre as tuas descobertas ou é sugestionado para outros?
É as duas coisas: são as minhas descobertas e também a sugestão e inspiração para outros. As letras falam dessa descoberta no teu interior, seres cool à tua maneira e não deixares que a sociedade influencie no teu modo de agir.
A celebração da diversidade também é sugerida pelo ecletismo musical do disco?
Exatamente. Isso tem tudo uma continuidade. O meu disco é uma fusão de estilos e de influências que eu tive ao longo da minha carreira e que fala dessa diversidade. Da música clássica ao jazz, passando pelo reggae, à house music… e também uma fusão de instrumentos, uns mais eletrónicos e outros mais orgânicos – como o piano, o vibrafone, a percussão, a guitarra, os sintetizadores eletrónicos…
Qual é a cola para esses dois universos, o eletrónico e o orgânico? É a pista de dança que os une?
Pode ser na pista de dança, mas o que une todo o disco a nível de som é a parte eletrónica. Coloco vários instrumentos orgânicos, sim, mas a parte eletrónica é o que une o disco todo. A parte dançável também, mesmo que a última música seja só com piano acústico – é uma faixa chamada “Sleep Well”.
“Todo o disco anda à volta disso, à volta da diversidade e da descoberta de nós próprios que hoje em dia se perde muito por causa da pressão social, do ter que fazer e apresentar coisas. A malta esquece-se que primeiro tem o Ser dentro de si e tem que o procurar”
António, tu começaste por estudar engenharia mecânica…
(risos)… Exatamente!
Mas tornaste-te músico, licenciaste-te e especializaste-te em Música. Mas ainda há alguma ligação entre a tua música e a Mecânica?
(Risos) Acho que existe! Embora eu não tenha nada a ver com engenharia mecânica, acho que aprendi lá alguns esquemas de raciocínio interessantes que, sem pensar neles, são intrínsecos à música que faço. Eu não faço música de uma forma mecânica, mas sim com feeling. Às vezes vou para o estúdio e sai-me logo a música e outras vezes nem sai nada, mais vale fechar tudo e ir embora para casa (risos). Por exemplo, há muitas vozes neste disco que foram gravadas no meio de um jardim às três da manhã. Eu passava horas e horas a gravar coisas no estúdio, ia ouvir no dia seguinte e via que ainda não estava. Apagava. Quando se tem aquele feeling é que as coisas saem de uma forma natural, porque se está a sentir. Não há uma explicação muito…
Muito mecânica?
Exatamente. Muito mecânica.
António, tu estudaste música, tiraste mestrados em percussão, estiveste em bandas de jazz como baterista… este disco une todos estes universos musicais? É uma forma de dizeres que consegues reunir tudo aquilo que gostas e te influencia num só disco?
É exatamente isso que o disco espelha. Abarca todas as minhas influências e gostos musicais, na mensagem de não viveres a vida que os outros querem que tu vivas.
Além da música eletrónica e de dança, tens outras influências – nomeadamente a da música clássica. Tu és maestro, também, não é?
Sim, e acho que é a música mais nobre, onde tudo começa. Bach é dos meus compositores preferidos de sempre. Tenho grande respeito pela música clássica e se ouvirem o disco vão perceber isso.
De que forma? No uso dos pianos?
Na parte instrumental, nos pianos, sim; no uso de instrumentos de percussão mais eruditos, como o vibrafone, algumas marimbas. Há uma música que fiz inspirada na série Twin Peaks que é muito orquestral e que reúne todas essas influências. Começa com um deep house muito acentuado e que se vai desenvolvendo de uma forma orquestral, tem uma trompa a tocar com uma grande orquestra e aí explode para um piano mais clássico, que resulta muito bem – já o toquei ao vivo no NOS Alive e foi dos temas que mais pegou na pista…
“Acho que é a música mais nobre, onde tudo começa. Bach é dos meus compositores preferidos de sempre. Tenho grande respeito pela música clássica e se ouvirem o disco vão perceber isso”
Esse tema é inspirado na banda sonora do Angelo Badalamenti ou achas que até pode ser visto como remix?
Não sei se é remix, porque eu não toco as mesmas notas que ele toca. Foi criado de origem, mas muito inspirado naquilo.
Porquê a inspiração no tema e na série?
Porque Twin Peaks é uma série icónica e gosto muito do tema do genérico. É uma busca interior muito forte.
Há pouco falávamos de seres maestro, no Orfeão de Vagos – em Aveiro. De que forma é que consegues separar os dois mundos: da música clássica do da música eletrónica? Neste disco, enquanto compositor, tentaste juntá-los. Mas e quando és maestro no Orfeão de Vagos pões de lado a personalidade do produtor de eletrónica?
Levo um bocado da pista de dança para o lado do maestro, porque no Orfeão de Vagos tentamos fazer coisas originais e os arranjos que faço são sempre para que faça as pessoas dançarem.
“Levo um bocado da pista de dança para o lado do maestro, porque no Orfeão de Vagos tentamos fazer coisas originais e os arranjos que faço são sempre para que faça as pessoas dançarem”
Tens sentido essa reação no público?
Sim, tocámos na Festa do Avante e foi um espetáculo. Nem estava a contar muito com aquela recepção, porque o concerto foi mesmo na mouche; tudo meio a dançar… nem sei explicar bem, mas foi impressionante.
Da Festa do Avante para o Lisboa Dance Festival, agora para apresentar o teu novo disco, Red Love Blue Love. Como é que vais incluir todos os elementos tão orgânicos num festival tão virado para a música eletrónica e para as pistas de dança?
Eu vou levar a minha banda, que é constituída por um teclista/programador; e um baterista híbrido (risos) em que metade da bateria é analógica e outra eletrónica. O que vai acontecer no LDF… eu também estou curioso para ver como o pessoal vai reagir! Eu vou fazer um alinhamento misto. O meu disco tem uma música um pouco mais lenta, chamada “Life is a Dream”, mas não sei se a vou colocar no alinhamento. Mas vou tentar que seja um concerto vivo, como são sempre os meus concertos. Mas em Lisboa vou tentar impor mais isso.
Qual é o papel do António Bastos no meio da banda? Estás junto a uma mesa de mistura; também tocas instrumentos?
Eu estou rodeado de um piano, de um teclado midi ligado a sintetizadores… uma guitarra, um saxofone e um microfone. Mas estes concertos dependem sempre sempre muito de improviso a partir do feedback das pessoas e da pista.
“Eu não faço música de uma forma mecânica, mas sim com feeling. Às vezes vou para o estúdio e sai-me logo a música e outras vezes nem sai nada, mais vale fechar tudo e ir embora para casa (risos). Por exemplo, há muitas vozes neste disco que foram gravadas no meio de um jardim às três da manhã”
Tiveste o projeto Johnwaynes; há uns tempos criaste uma editora – a You Plug Me Records – e agora um disco com o teu nome. A criação da editora faz parte do processo artístico enquanto músico e produtor?
Ora bem, o projeto Johnwaynes, de que tenho muito orgulho – e com o qual fizemos muitas coisas – era mais virado para o house e para o techno… mais fechado. Adoro house e techno, mas gosto, basicamente de música. Eu não queria cingir-me só a um género de música e se ouvirem este disco vêm que dentro da eletrónica há um percurso e uma onda de música em que me movo e não é só house. A editora vem por causa disso: queria estar com amigos meus músicos, também com essa visão. Formámos uma editora, a You Plug Me Records: estamos todos a crescer, devagarinho.
A editora reflete esta espécie de tendência que se escuta cada vez mais, a junção da música eletrónica com outra mais clássica?
Sim, a editora nasceu também por causa disso. É a busca da identidade, da singularidade musical de cada um.
E a singularidade musical… cada um não gosta só de uma coisa, não é?
Exatamente. Eu gosto de música, mas não gosto só de um estilo! Ser singular é fundir a minha música com os vários estilos que eu gosto. É isso que a You Plug Me tenta fazer com os discos e projetos.
Entrevista: Bruno Martins | Fotografia: Cristiano Marcelino