“A soul é o meu maior amor na música enquanto cantor”
O músico inglês Jamie Lidell é um dos nomes que passa pela edição deste ano do festival EDP CoolJazz, em Oeiras. Traz a Portugal o seu mais recente disco, Building A Beggining, editado no ano passado, e que é uma celebração do nascimento do seu filho Julian — a quem dedica este trabalho — mas também (mais uma) mudança de cidade e de casa. Nasceu em Cambridgeshire, Inglaterra; mudou-se depois para Bristol, Brighton, Berlim — onde esteve nove anos; atravessou o oceano para se fixar em Nova Iorque; mas agora, aos 43 anos, assume a decisão “de adulto” de comprar uma casa para a família em Nashville.
Foi sobre este constante construir começos que falámos: o fillho, a nova casa — as verdadeiras mudanças que são marcos na sua vida, algo que, diz, ainda não tinha sentido. Tudo traduzido num disco que traz agora a Oeiras e com uma nova banda — os The Royal Pharaohs, uma banda “all star” que vai poder ser descoberta ao vivo.
Editaste o disco Building A Beggining no final do ano passado. Representou o início de quê?
Tem menos que ver com um novo começo na música e mais a ver com um novo começo na minha cabeça e no meu coração. Porque já nasceu o meu filho… é um álbum sobre esta nova viagem que eu e a minha mulher fizemos com ele. É uma dedicatória a ele, na verdade.
Jamie Lidell toca dia 26 de julho no EDP CoolJazz, nos Jardins Marquês de Pombal, em Oeiras
A experiência de ter um filho também marca a criação de música?
Sem dúvida. Acho que tudo está ligado, não é? Eu queria ver que música é que me parecia certa neste momento. Algo muito puro e muito simples… tinha que ser algo com muito soul, no meu ponto de vista — e é o tipo de música que quero fazer. Mas também queria fazer uma espécie de documento deste tempo, para quando eu for mais velho, poder olhar para ele e lembrar-me desta altura. Como se fosse capturar um sentimento.
Sempre olhaste para os teus discos como um registo dos períodos da tua vida?
Nem por isso. Porque também acho que nunca tive grandes marcos históricos para assinalar. Ainda que, de certa forma, tudo reflete o que o que se passa na tua mente. Mas nunca tive nada tão importante como isto, por isso é que lhe dei esta importância tão grande, uma marca de mudança.
De um novo começo.
Sem dúvida que é um novo começo.
“[Os Royal Pharaohs são] uma banda all star! São músicos incríveis, maduros em que tudo sai sem grande esforço. E conseguimos apresentar o disco ao vivo da forma mais pura — e muito divertida. É simples, mas potente (risos)”
Ser pai também muda os horários, não é? Em que alturas do dia é que agora te trancas no estúdio?
Eu tento trabalhar à noite (risos). Foi o que mudei: tento estar mais disponível durante o dia e trabalhar mais à noite, o que é muito cansativo. Às vezes vou para a cama às duas da manhã e tento acordar às sete. Mas só vai ser assim durante alguns anos, por isso tento lembrar-me que o tempo vai passando tão rápido que não há problema estar cansado. Quando o meu filho tiver três anos já vai para a pré-escola e terei muito mais tempo durante o dia.
Temos estado a falar da mudança de ter um filho, mas há outra mudança física na tua vida: foste de Nova Iorque para Nashville. Foi uma decisão artística ou por motivos familiares?
(sorri) Teve que ver, sobretudo, com dinheiro! Eu e a minha mulher queríamos ter uma casa, um sítio para criar uma família. Não nos importávamos de ficar em Nova Iorque, mas olhámos para os preços das casas e era muito caro…. não queríamos continuar a alugar casa, a gastar o dinheiro todo nisso. Foi uma tentativa de ter uma decisão responsável, ser adulto (risos).
Nashville também é conhecida pela ligação à história da música popular norte-americana. Fiquei a pensar se isso também teria tido influência na vossa decisão de se mudar para lá.
Também teve influência, é verdade. Claro que é diferente estar numa cidade com uma grande ligação à música e nos EUA temos Los Angeles, Nova Iorque, Nashville… são os centros da música. Claro que depois há Austin e outras escolhas. Nós viemos de Nova Iorque e a outra opção era LA, mas quando tentámos ir para lá não nos pareceu bem! E Nashville era mais barato! Até conseguimos comprar uma casa, muito bonita. Ficámos muito satisfeitos com a decisão.
“O nosso tempo é curto, não achas? Estou a tornar-me mais consciente da minha vida — a aperceber-me do quão importante é tirar o máximo de tudo: dos concertos… das oportunidades que temos para atuar, para falar, temos de nos lembrar que só temos uma oportunidade”
Building a Beggining é um disco de muitas paixões: pela tua família, pela tua mulher, pelo teu filho… Achas que foram todas essas paixões que te levaram até às influências clássicas da música soul, aqui tão vincadas?
Foi um regresso, talvez. Sinto que a soul é o meu maior amor na música enquanto cantor, sobretudo. Queria encontrar uma forma de me exprimir com as palavras. Mas na verdade até foi a minha mulher que escreveu muitas das letras deste disco. Tentei vários estilos, mas gostei mais assim — as canções soaram-me muito naturais.
E a música soul tem o quentinho que, creio eu, foste à procura de introduzir no disco para expressar tantas paixões. Estou certo?
Sem dúvida. É um disco de soul, é verdade, mas depois tem outras coisas que fazem com que o disco não seja assim tão tradicional. Tem muitas baladas, por exemplo, como a “Believe In Me”; e diferentes orquestrações, algumas harpas mas também outros arranjos mais expansivos. Não é só dar graças e grandes celebrações.
“Building a Beggining é um álbum sobre esta nova viagem que eu e a minha mulher fizemos com o nosso filho. É uma dedicatória a ele, na verdade”
Sim, mas os clássicos soulmen também não eram só dar graças: também tinham as tais grandes baladas cantadas com o coração. E isso também se há-de ver ao vivo, tenho a certeza. Vens tocar ao festival EDP Cooljazz e com uma banda nova: os The Royal Pharaohs com nomes como o baixista Owen Biddle, dos The Roots ou o baterista Daru Jones, que colaborou, recentemente, com Jack White (outro homem de Nashville). Como vai ser o concerto?
Eu tive muita sorte. Fiz o disco com o Pino Palladino e ia tocar baixo em três temas. Foi nessa altura que lhe disse que precisava de encontrar um baterista aqui em Nashville. Ele sugeriu que falasse com o Daru Jones: assim que falei com ele percebi que ele conhece músicos incríveis e acabou por me abrir um mundo de novas pessoas, como o guitarrista Marcus Machado; o Owen também. E o Gerald Jenkins, nas teclas, que tocou com a Lauren Hill. Na verdade é uma banda all star! São músicos incríveis, maduros em que tudo sai sem grande esforço. E conseguimos apresentar o disco ao vivo da forma mais pura — e muito divertida. É simples, mas potente (risos).
O que é que os fãs te têm dito dos concertos?
Eu sinto que este é quase um disco que precisava de ser tocado em concerto. Eu não tive o luxo de poder gravar o disco num formato ao vivo — foi tudo feito por peças. Por isso, quando todas as canções conseguem ser juntas com uma banda tão incrível, é como se ganhassem uma nova vida. E as pessoas conseguem entrar melhor nas músicas e ficam surpreendidas! Eu sabia que as canções eram boas, mas agora ao vivo… crescem muito! Eu sei que as canções são sólidas, passei muito tempo a deixá-las assim em disco — por isso sei que posso confiar nelas. É um bom frenesim tocá-las ao vivo. Deixa-me muito mais feliz do que eu pensava.
“[A mudança para Nashville] Teve que ver, sobretudo, com dinheiro! Eu e a minha mulher queríamos ter uma casa, um sítio para criar uma família. Não nos importávamos de ficar em Nova Iorque, mas olhámos para os preços das casas e era muito caro….”
É muito interessante ouvir-te falar do disco — da forma como o fizeste e do sentimento que rodeia este Building a Beggining. Parece que tinhas tanto para dizer e para dar de ti… querias mesmo mostrar a tua felicidade e gratidão neste período da tua vida. E isso consegue sentir-se no disco. E aposto que ao vivo também. É isso?
Estás 100 por cento certo! (risos) Por isso é que quis juntar esta banda. O nosso tempo é curto, não achas? Por isso, estou a tornar-me mais consciente da minha vida — a aperceber-me do quão importante é tirar o máximo de tudo: de todos os concertos… todas as oportunidades que temos para atuar, para falar, temos de nos lembrar que só temos uma oportunidade. Sem dúvida que é tempo para estar agradecido.
Entrevista: Bruno Martins