“Mai Kino tem que ver, sobretudo, com coisas que sonho à noite, sonhos super-intensos e filmes”
Catarina Moreno deixou Portugal há 12 anos — mudou-se durante um ano para a Áustria, seguindo depois para Londres. Por cá estudava artes multimédia. Quando chegou a Inglaterra foi já com a ideia de experimentar outras artes: as performativas. Acabou por descobrir uma outra vida: a da composição musical, da interpretação com o nome Mai Kino. A 11 de março deste ano tocou, pela primeira vez, ao vivo em Portugal — foi no Lisboa Dance Festival, ao lado de nomes como Mount Kimbie ou Tokimonsta. Agora regressa para três concertos que servem para descobrir melhor a sua música e a forma como projeta o seu disco de estreia, ainda sem datas previstas no calendário: dia 27 de abril no Teatro Aveirense; dia 28 de abril no Maus Hábitos, no Porto; e dia 30 no Musicbox, em Lisboa.
Por agora vamos apercebendo-nos do mundo sonhador, colorido e sinestésico de Mai Kino através do EP The Waves.
Há quanto tempo estás em Londres?
Estou fora de Portugal há 12 anos. Em Londres há quase 11… Estive um ano a estudar na Áustria.
E como é que começa a tua ligação à música?
A ligação existiu desde pequenina. Já tocava e cantava instrumentos… mas esta ideia de levar a música a sério, como uma potencial carreira, é algo mais recente: estava a estudar artes multimédia e artes performativas — como dança e teatro, e há cerca de três anos escrevi duas canções. Só fazia isso em privado — tinha vergonha e fobia de cantar em frente a pessoas. Mas fiz o upload dessas duas músicas no Soundcloud, só quase como um exercício anti-vergonha…
Foi a forma de lutares contra esse sentimento.
Exatamente. Acho que até foi perto de um aniversário meu, como um presente, para perder a vergonha. Pus no Soundcloud, mas nem mandei a ninguém, não foi com nenhum intuito específico: só para mostrar a amigos.
Só cantavas ou já tocavas algo?
Tocava guitarra, sobretudo, e um bocadinho de piano. Quer dizer, não sou mega-pro, mas é assim que escrevo as minhas canções. Escrevi duas canções na guitarra, fiz uma produção básica em casa e mostrei a amigos meus. De repente, não sei o que aconteceu, mas começaram a partilhar as canções e eu a receber imensos convites para colaborações, convites para tocar lá em Londres…
Que canções eram essas?
Canções que,provavelmente ninguém vai ouvir: eu na guitarra, canções cruas, numa onda ligeiramente mais jazzy do que estou a fazer agora.
“O EP tem três canções: a “June” é a canção mais intimista e simples; a “The Waves” é mais densa e pesada, mais complexa… e a “Burn”, de que gosto muito, parece ser a mais acessível às pessoas, a que tem mais luz”
E como descreves o que fazes agora?
Com uma palavra que tive de aprender a aceitar: canções ligeiramente mais pop. O que fazia na altura eram mais folk, com um tintozinho de jazz.
Quando foste estudar para Londres foste estudar uma outra faceta das artes: o lado mais visual, mas também mais contemporâneo.
É um bocado complexo: eu estava a fazer um curso em multimedia art — que é, de facto, mais digital, ligado ao design e instalação. Em Londres foi diferente: performing arts, que é dança contemporânea e teatro.
Achas que essas ramificações inspiraram a tua veia de compositora e cantora?
Acho que são tudo expressões diferentes da mesma coisa, vão informando-se umas às outras. Eu tenho uma condição neurológica (risos) que é a sinestesia — apercebi-me de que nem toda a gente vê cores quando pensa em números; nem toda a gente vê texturas quando ouve música. Isso, para mim, foi quase óbvio: escrevi a “The Waves”, depois fiz o vídeo e senti que foi quase uma expressão direta daquilo que eu via na cabeça enquanto escrevia a música.
Há coisa de três anos foi editada a faixa que fizeste com os Octa Push, “Please Please Please”. Essa colaboração foi uma das portas que se abriu depois daquela atividade no Soundcloud?
Tenho a sensação que foi em 2012 que fiz essa canção — sou péssima para datas. Mas sim: foi nessa altura que estava a fazer dança e teatro e não tinha planos nenhuns para fazer música. Pus as músicas online e passado um mês tinha um email deles. E como não morava em Portugal, não tinha ideia de quem eles eram… apenas disse que sim: “Ah que giro, claro!” E até é uma história interessante: nessa altura eu andei à boleia pelos EUA durante dois meses, entre Nova Iorque e São Francisco, e o convite dos Octa Push apareceu mesmo naquela altura em que estava a ir para lá. Nem sequer tinha um smartphone na altura: cheguei a Nova Iorque, comprei um iPhone para instalar o Garage Band, e fiz a canção toda durante o caminho (risos). Foi assim tudo super relaxado. Só mais tarde é que os conheci em pessoa e fiquei amiga deles!
Essa experiência com os Octa Push foi a tua primeira ligação ao lado mais eletrónico da música em que percebeste que havia mais para lá da guitarra e do piano?
Isso não, porque sempre ouvi muita música eletrónica e acho que já tinha brincado com coisas eletrónicas com amigos meus. Nunca fui tão longe, mas já tinha tentado.
Como é que começaste a aproximar-te desse lado?
Como disse: eu já ouvia bastante música eletrónica e passados uns meses de estar a escrever música na guitarra percebi que podia ir para outro sítio. Acho que chegou a um momento em que fartei-me das canções que estava a escrever e senti-me preparada para fazer coisas diferentes. Coincidiu com a entrada do meu agente, o Russell, que me apresentou ao produtor Luke Smith. A primeira canção com que fui para estúdio com o Luke foi a “The Waves” — foi a última a ser editada,mas a primeira a ser feita. Escrevi-a também com a guitarra, mas na demo que fiz em casa já tinha uns elementos, uns sintetizadores… já era um folk a atirar para a eletrónica. Passámos dois dias no estúdio a mostrar canções um ao outro, as nossas influências… e nesses elementos já havia várias composições eletrónicas.
“Descrevo a minha música com uma palavra que tive de aprender a aceitar: canções ligeiramente mais pop. O que fazia antigamente era mais folk, com um tintozinho de jazz”
Hoje em dia já começas as tuas composições pelo lado mais eletrónico ou continuas com o lado acústico?
Relativamente acústico. Comecei a usar mais o piano do que a guitarra e estou preparada para começar a escrever em sintetizadores! Mas ainda começa tudo na canção e isso para mim é importante: embora haja produção eletrónica, se for removida a canção ainda consegue sobreviver por si.
Há 12 anos decidiste então emigrar para ir estudar. Viste-te a braços com uma nova carreira. É isso que fazes hoje em Londres?
Sim, estou dedicada predominantemente à música. Ainda canto jazz e bossa nova de vez em quando — umas covers. Também dei aulas de dança, fiz algumas representações em alguns anúncios para ajudar a pagar a renda em Londres, que não é barata! Mas o meu foco é a música.
Como é que surge o nome Mai Kino?
Ainda não consegui encontrar uma explicação para isto que não ponha as pessoas a dormir (risos). É um casamento de tantas razões: tem a ver, sobretudo, com coisas que sonho à noite, sonhos super-intensos, filmes… As duas palavras, Mai Kino, têm significados que se prendem com esses universos: significam “Cinema”, “Mar”, “Dança”… tudo coisas que têm que ver com o meu background e com o que sonho à noite. E depois houve mais coincidências: quis fazer uma homenagem à minha avó, que morreu, e percebi que Mai Kino era como se fosse uma abreviatura do nome dela.
Como é que descreves o teu primeiro EP, The Waves?
Acho que, definitivamente, é um bocado dreamy. Há uma intensidade subconsciente na estética das músicas. O EP tem três canções: a “June” é a canção mais intimista e simples; a “The Waves” é mais densa e pesada, mais complexa… e a “Burn”, de que gosto muito, parece ser a mais acessível às pessoas, a que tem mais luz.
Esses elementos vão estar presentes no teu disco?
Não tenho ainda uma decisão específica sobre aquilo que vai ser o álbum. Estou a explorar os sons todos, mas são todos elementos que vão fazer parte daquilo que vou escrever.
Já tens data de quando poderemos ouvir o disco?
Ainda não.
Estás a trabalhar com o Luke Smith?
Não. É possível que voltemos a trabalhar juntos, mas para já ficámos pelo EP. Para já estou a trabalhar sozinha.
Em março tivemos oportunidade de te ver ao vivo no Lisboa. Agora regressas para fazer três concertos: em Aveiro, no Porto e em Lisboa. O que é que vamos escutar?
Vão ouvir os três temas do EP e temas que ainda não lancei. Vai ser uma surpresa para quem conhece o projeto, mas não conhece mais música. É um set de 45 minutos e por isso há muitas surpresas — uma versão, por exemplo, que vai ser muito divertida de tocar ao vivo. São concertos que vão mostrar outros lados da minha música.
“Eu tenho uma condição neurológica (risos) que é a sinestesia — apercebi-me de que nem toda a gente vê cores quando pensa em números; nem toda a gente vê texturas quando ouve música. Escrevi a “The Waves”, depois fiz o vídeo e senti que foi quase uma expressão direta daquilo que eu via na cabeça enquanto escrevia a música”
Os concertos serão como o levantar de um véu do que será o teu disco ou serão apenas experiências sonoras?
Acho que pode ser qualquer uma das coisas. Há canções que ainda não toquei ao vivo, há outras canções que modifiquei para estes concertos. Vai haver bastante essa onda de experimentação, porque à medida que vou tocando mais ao vivo, vou tendo mais ideias para a produção.
Quem é que te acompanha em palco?
Eu tenho uma banda inglesa, mas desta vez decidi tocar com músicos portugueses: o João Gomes, que toca teclados e samplers; e o Rui Pité, que é o DJ Riot.
Além da música, fizeste também a produção e realização do teu vídeo “The Waves”. É algo que queres continuar a fazer?
Sim, um bocado. Eu não conseguia ficar feliz se não fosse dessa forma. Sou um bocadinho “control freak”. Como sei exatamente o que quero, torna-se mais fácil, para lá de ser divertido.
A dança e a representação também têm cabimento no mundo da Mai Kino?
Talvez, mas de forma menos direta. Mas no vídeo de “The Waves” explorei bastante o movimento. Ao vivo não faço um grande espetáculo de dança, mas mexo-me naturalmente, de uma forma muito própria.
Entrevista: Bruno Martins