Foto: Phil Sharp
“Amor e ódio é aquilo que significa ser humano”
Michael Kiwanuka voltou em força e com outro ânimo no final do ano passado, quando regressou aos discos com Love & Hate. Um trabalho mais expansivo em que o músico inglês mostra novas abordagens às canções – menos cantautor e mais explorador de novos ambientes. Com a ajuda de Danger Mouse – o produtor do segundo disco de originais – Kiwanuka estendeu as suas composições, levou-as à escuridão para depois lhes dar uma luz. Mete o dedo na ferida: fala sobre sentimentos, sobre questões sociais, fala disto que é ser humano e de estar vivo.
Passaram cerca de quatro anos até encontrares um sucessor para Home Again: Love & Hate apareceu em julho do ano passado. Quando é que sentiste vontade de começar a trabalhar em novas canções?
Foi há cerca de três anos. Mas já andava a gravar umas coisas antes. Só que o disco só começou mesmo a ganhar forma há três anos, mais ou menos.
Já tinhas ideias concretas para Love & Hate ou foste escrevendo sobre as coisas que mexiam contigo?
Fui escrevendo de uma forma mais aleatória. No início só sabia que queria que fosse um disco mais ligado à soul, mais escuro. E isso também estava ligado ao som, além do sentimento das canções. Mas acho que começou tudo a ganhar forma à medida que ia fazendo. Comecei também a ouvir mais música negra, mais soul, mais assombrada, talvez até mesmo psicadélica e também quis tentar fazer música nesses géneros.
“Há alturas em que escrevemos canções curtas e noutras em que escrevemos canções longas. Neste disco pensei que as músicas podiam ganhar mais forma sendo mais longas, talvez por causa da música que estava a ouvir, mais expansiva, de períodos em que não havia tantos limites na música”
O que é que aconteceu na tua vida durante esses três anos para teres essa vontade de mudar a forma como escreves música e letras?
Eu mudei, é certo. Mas também mudei a minha forma de trabalhar: fui à procura de encontrar novas formas de inspiração e de novas formas de compor. O processo de estúdio também mudou e, claro, as formas como passei a abordar as músicas. Muito daquilo que são as minhas ideias mudaram com este disco.
É um disco também com canções muito mais longas: “Love & Hate” ou “Cold Little Heart” são exemplo disso. Porquê?
Não sei bem. Nesta altura foi o que me pareceu mais adequado. Há alturas em que escrevemos canções curtas e noutras em que escrevemos canções longas. Neste disco pensei que as músicas podiam ganhar mais forma com esse recurso, talvez por causa da música que estava a ouvir, mais expansiva, de períodos em que não havia tantos limites. Hoje a música tem mais limites do que nessas alturas, sobretudo quando falamos em música mais mainstream e o que eu estava a ouvir eram faixas com versos muito extensos, ou músicas em que só se começava a cantar aos cinco minutos. E relacionei-me muito com essa forma de fazer canções.
É um desafio grande fazer canções assim e mesmo assim conseguir deixá-las interessantes?
Sem dúvida. É muito difícil. Tem que haver uma razão para serem longas, sabes? Não pode ser só porque nos apetece. Acho que permite que entremos mais na canção: tentamos encontrar sempre algo mais, ir mais fundo naquilo que fazemos. Claro que também nos obriga a trabalhar muito mais.
“No início só sabia que queria que fosse um disco mais ligado à soul, mais escuro. E isso também estava ligado ao som, além do sentimento das canções”
O título do disco, Love & Hate (amor e ódio), vem de onde?
Amor e ódio, para mim, é aquilo que significa ser humano. O ser humano vive em permanente conflito, entre aquilo que é certo e é errado; há sempre escolhas para fazer, ponderar para onde se deve ir, que viragens devemos fazer na vida. São as escolhas que determinam quem somos e que determinam a vida que vivemos.
Fazer um disco com sentimentos tão vincados, inerentes à condição do ser humano, e tão crus, mostra a tua grande ambição artística?
Acho que sim. Fui mais ambicioso, sem dúvida. Sempre quis fazer música que afetasse e deixasse marcas em alguém. Tentei ir mais fundo, tentei fazer o melhor trabalho possível. Fui mais ambicioso em todos os aspetos.
O Danger Mouse foi o produtor do disco. Porque é que quiseste fazer o álbum com ele?
Porque gosto dos discos dele. Foi com os álbuns dele com que cresci, quando andava na escola. E depois, já mais velho, fui conhecendo o trabalho dele com Gnarls Barkley ou Broken Bells, mas também a produção com os The Black Keys. Gosto muito da forma como soam as suas produções, que mesmo sendo pop tem muita criatividade e integridade. E fiquei muito feliz de poder trabalhar com alguém assim.
“Fui mais ambicioso, sem dúvida. Sempre quis fazer música que afetasse e deixasse marcas em alguém. Tentei ir mais fundo, tentei fazer o melhor trabalho possível. Fui mais ambicioso em todos os aspetos”
Ele também te desafiou a ir à procura de coisas novas? Novos instrumentos, por exemplo: mais guitarra elétrica e não tanto a acústica?
Sem dúvida. Encorajou-me muito, não só na forma como toquei guitarra, mas também na forma como abordei a escrita. Fez-me ver que eu conseguia ser mais do que aquilo que eu pensava que era.
No último ano, houve duas músicas tuas a serem incluídas em bandas sonoras de duas marcantes séries televisivas: “Home Again”, do primeiro disco, em Atlanta; e “Black Man In A White World”, deste segundo disco, em The Get Down. Queres explicar-nos um bocadinho melhor esta segunda faixa ou o título é auto-explicativo?
O título é provocador e causador de reações, mas acredito que se escutarmos a canção toda percebe-se melhor aquilo que eu quis dizer. Há quem pense que “Black Man In a White World” é sobre raça, mas não: é sobre identidade. Parece uma canção zangada e até ofensiva, agressiva. Mas é bom ter esse tipo de sentimentos nas músicas. A música é entretenimento, mas também é arte, ou seja é provocativa, mexe com as emoções.
“Por exemplo: tenho-me inspirado muito em nomes como Kendrick Lamar e noutros artistas de hip hop, provocativos. Outros exemplos disso são aquilo que o Kanye West e o Frank Ocean fizeram há uns anos”
A música tem-se tornado mais entretenimento e menos arte?
Na verdade, creio que não. Hoje há mais das duas coisas. Por exemplo: tenho-me inspirado muito em nomes como Kendrick Lamar e noutros artistas de hip hop, provocativos. Outros exemplos disso são aquilo que o Kanye West e o Frank Ocean fizeram há uns anos.
O hip hop é um género que te provoca? Gostavas de te aproximar mais ao hip hop?
Não sinto uma ligação a esse ponto. Adoro vozes e canções. Sou mais influenciado pelo hip hop pela emoção e pela energia. Ouço muitos discos de hip hop para apanhar sonoridades e inspirar-me a ter uma frescura nas canções.
Entrevista: Bruno Martins