“Os meus discos são cada vez mais pessoais”
É um dos produtores da moda na agitada e fervilhante Los Angeles. Jason Chung, músico norte-americano, de ascendência coreana, é mais conhecido como Nosaj Thing, recrutado por nomes como Kendrick Lamar, Kid Cudi e Chance The Rapper para a construção de beats. É figura de proa na beat scene da west coast, a mesma onde habitam nomes como Flying Lotus ou Gaslamp Killer. São artistas com o mesmo perfil. Há quem os veja como nerds da música – e Jason Chung, ao telefone a partir de Los Angeles, confirma sê-lo, de certa forma. É um aficcionado pelo som desde pequeno, desde os 13 anos. Sempre preferiu crescer sozinho na música. Tinha amigos que tocavam instrumentos e tinham bandas, mas Jason já apontava ideias para o puro som. “Estava mais interessado em criar sons novos com efeitos e diferentes tipos de combinações, com softwares.”
Nosaj Thing é uma espécie de arquiteto paisagista do som. Parallels, o seu mais recente disco, editado no ano passado, volta a demonstrá-lo, mesmo que haja quem pense que a música de dança não pode ser introspetiva. O músico confirma ser o trabalho mais pessoal dos quatro que já lançou desde 2009. É nesse Parallels que vai assentar a sua atuação no Lisboa Dance Festival, evento que marca o regresso de Nosaj Thing a Portugal.
Tens passado muito tempo em digressão nos últimos meses. A última tour foram três meses na estrada.
É, e nunca estive tanto tempo em digressão. Foi muito intenso. Mas acho que é um bom indicador de que o disco está ser bem recebido. Se existem essas oportunidades, é um bom sinal (risos).
Imagino que faças essas tours em longas viagens sozinho ou, pelo menos, com uma pequena comitiva. A pior parte de andar em digressão é estar sozinho?
Acho que o mais difícil é mesmo sentirmo-nos desconfortáveis por um largo período de tempo. As digressões são alturas em que nada é muito familiar, e andamos só a viajar com uma mala cheia de coisas. É bom e mau porque eu gosto de viver de uma forma minimalista, ou simples, mas ao mesmo tempo é quase desumanizante; quase que te sentes um robot. Tens uma única tarefa para fazer e anda tudo à volta disso. Mas ao mesmo tempo, faz-me sentir melhor na minha arte: qualquer coisa que se faz de forma repetida torna-nos melhores, porque é algo pela qual se tem uma enorme paixão.
É a parte boa que equilibra a parte má. O bom é o contacto direto que tens com as pessoas que gostam da música e dos teus discos?
Diria que sim. Eu estou à procura de equilíbrio, na verdade. Talvez três meses na estrada não seja a melhor forma de conseguir esse equilíbrio, mas espero que consiga encontrar uma forma melhor para o fazer, que se torne viável quer para o corpo quer para a mente.
Acabaste uma digressão no fim do ano passado, mas hás-de começar uma nova já em breve. Tens concerto marcado aqui para Portugal, em março, no Lisboa Dance Festival. Esta não vai ser a primeira vez que virás a Lisboa, pois não? Já passaste por cá duas vezes, ambas no Musicbox.
Não me lembro bem. Se estive em Portugal foi há muitos anos. Mas lembro-me de, há uns seis anos, fazer uma digressão europeia que era quase uma névoa, porque viajava sozinho, sem mais ninguém. Eu era o tour manager, o roadie e fazia tudo sozinho. Acabava por ficar nas cidades só um dia, então não me lembro mesmo de nada. E é de loucos estar num sítio lindo, ou num sítio onde sempre quiseste estar, mas a única coisa que consegues ver é uma discoteca e um restaurante – isto se tiveres sorte. Mas estou entusiasmado com esta digressão europeia porque vou fazer poucas atuações por semana, talvez umas três, por isso vou conseguir passar algum tempo por aí. Talvez até consiga marcar algum tempo de estúdio e conhecer a cidade. Estou mesmo muito entusiasmado.
E certamente que trarás para apresentar algumas das faixas do mais recente Parallels. Como é que encaras este disco? Pensas no teu trabalho como registos de períodos da tua vida?
Sem dúvida. Até agora, a minha abordagem tem sido mais como um diário. Os meus discos são cada vez mais pessoais que nascem da minha necessidade de capturar acordes, melodias ou beats. Cada álbum é, basicamente, uma coleção de canções que já foram filtradas. Mas este é o meu quarto álbum e sinto que tenho evoluído de uma forma em que já começo a conceber ideias de antemão. Acho que essa é uma abordagem para continuar nos próximos tempos na altura de criar o conceito de um álbum: pensar os discos antes de avançar para a composição.
“Estou entusiasmado com esta digressão europeia porque vou fazer poucas atuações por semana, talvez umas três, por isso vou conseguir passar algum tempo por aí. Talvez até consiga marcar algum tempo de estúdio e conhecer a cidade”
Dizes que os teus discos são cada vez mais pessoais. É interessante, porque há muita gente que deve achar estranho isso de haver música eletrónica que apele ao intimismo.
Completamente! (risos)
Os teus trabalhos e as tuas criações também tentam ir contra esse preconceito?
Eu comecei por tocar vários instrumentos quando era miúdo. Mas senti que o meu instrumento de eleição era escrever num computador, pequenas ideias e loops. Acho que a minha geração é mesmo assim. Foi na altura em que os softwares começaram a evoluir e a ficar mais disponíveis. Esta é a era dos produtores de quarto, ou lá o que quiseres chamar. Por exemplo: eu comecei com 13 anos e, para mim, era como um escape: tudo o que eu queria era ir para casa, ligar os auscultadores ao computador e escrever ideias. Depois começava a sentir-me melhor.
Não tinhas amigos para juntar numa banda, como a maior parte dos miúdos faziam?
Eu tinha, mas eu estava tão interessado nesta forma de fazer música… Instrumentos mais tradicionais, como as guitarras, teclados, não me interessavam muito. Eu estava mais interessado em criar sons novos com efeitos e diferentes tipos de combinações, com softwares. Por exemplo, um som interessante, um acorde, pode despertar o mesmo sentimento de uma melodia de piano.
“Senti que o meu instrumento de eleição era escrever num computador, pequenas ideias e loops. Foi na altura em que os softwares começaram a evoluir e a ficar mais disponíveis. Esta é a era dos produtores de quarto, ou lá o que quiseres chamar”
Estás sempre à procura de um som que faça disparar uma ideia ou vives a tua vida descansada, a conduzir como estás a fazer agora, até te aperceberes de algo?
Estou sempre a pensar em algo, sobretudo em Los Angeles. É quase um estilo de vida. Às vezes, para percorrer distâncias mais curtas, até pode ser mais fácil apanhar um Uber, mas prefiro ir a conduzir porque… bom, eu estou muito habituado a ter o meu próprio espaço. Gosto desse período para pensar.
Mais uma vez estamos a falar do teu gosto em estar sozinho e fazeres as coisas por ti. Como é que pões toda essa intimidade numa pista de dança e num festival de música eletrónica como é o Lisboa Dance Festival?
Comecei a ser DJ mais ou menos na mesma altura em que comecei a produzir. E acho que nos últimos quatro anos tenho voltado a ser mais vezes DJ. A abordagem ao vivo alterou-se e, assim sendo, a energia também mudou. Tenho sempre em mente que há um público envolvido e ao fazer mais digressões também sinto que a minha música muda porque há mais pessoas à mistura. A ideia é traduzir tudo isso para um âmbito mais alargado.
Sei também que as tuas atuações vêm sempre com um importante lado visual: luzes, lasers e vídeos. Também vai ser assim em Lisboa?
Sim, gosto de mudar todos os anos. Desta vez vou estar a trabalhar com algumas luzes… é uma coisa muito minimalista. Basicamente estou a trabalhar com um laser e um strobe. O conceito é como se eles fosse a minha banda… o laser é o meu baterista e o strobe o meu vocalista (risos).
Acredito que o Parallels seja um dos focos dessa noite. O que é que ainda te entusiasma na música eletrónica? Li uma entrevista em que dizias que quando tiveres 80 anos ainda vais estar a fazer isto.
Não sei bem, mas sinto que tenho de o fazer! Mesmo quando voltei para casa, depois de três meses em digressão, estava entusiasmado para voltar ao estúdio e começar a escrever. Acontece-me o mesmo quando estou a conduzir, por exemplo: estou sempre desejoso de voltar para casa e trabalhar em algumas ideias. Sempre senti esse entusiasmo pela música desde os meus sete ou oito anos.
“Um som interessante, um acorde, pode despertar o mesmo sentimento de uma melodia de piano”
Qual é a primeira reação quando sentes todo esse entusiasmo? Sentas-te ao computador?
A abordagem é sempre diferente. Às vezes começo por um som, pelo design de um som; outras vezes com um loop de bateria. Gosto de ir mudando essa abordagem, para não estar sempre a fazer a mesma coisa.
As tuas referências são mais antigas? Músicos com uma longevidade muito grande e que trabalham o som há várias décadas?
Exatamente. Caso do Brian Eno e do Ryuichi Sakamoto, por exemplo. É nesse campeonato que eu quero estar, o da ambient music, quando tiver 70 anos e estiver a morar no Havai. É esse o meu sonho (risos).
“Cresci com o hip hop em Los Angeles: é a espinha dorsal da minha música. E quero trazer isso de volta e fazer algo de interessante com essa grande influência”
Achas que o teu percurso vai continuar a ser o do intimismo, a abraçar o minimalismo?
Na verdade, acho que é mais para o outro lado. Nos últimos anos tenho feito um trabalho mais de sessões colaborativas. Hoje tenho um grande interesse pela escrita de canções, em vez da escrita de ideias. Acho que nos últimos quatro discos tenho sido muito experimental, por isso agora quero tentar escrever um disco que assente em canções, mais estruturado, com um conceito bem definido antes de começar a gravar.
Com vozes convidadas? Contigo a cantar?
Sabes que ainda não me sinto muito confortável com a minha voz. Tenho muitas canções em que canto, mas que nunca ninguém ouviu. Mas há tantos cantores e vocalistas em Los Angeles de quem eu gosto tanto, por isso vou apontar mais para essa direção e assumir o papel de produtor.
“Brian Eno e Ryuichi Sakamoto [são referências]. É nesse campeonato que eu quero estar, o da ambient music, quando tiver 70 anos e estiver a morar no Hawai”
E tens trabalhado com vários rappers, alguns deles figuras centrais no hip hop da atualidade. Estou, obviamente, a pensar no Kendrick Lamar e no Chance The Rapper. É altura de eles se juntarem agora a um disco teu?
O objetivo é esse. Se bem que até agora essas colaborações nos discos deles aconteceram de uma forma muito natural: eles encontraram-me e convidaram-me. Mas eu cresci com o hip hop em Los Angeles: é a espinha dorsal da minha música. E quero trazer isso de volta e fazer algo de interessante com essa grande influência. Porque nunca tentei seguir essa rota. Até agora foi sempre ao acaso, “se acontecer, acontece”; mas desta vez quero ir mesmo experimentar fazer algo grande.
Então a ambient music ainda vai ter de esperar mais umas décadas, é isso?
Não, de todo! E por isso é que eu fico tão confuso… (risos) No meu último disco, estava a vir para casa depois de uma sessão de produção com o Kendrick Lamar e comecei a trabalhar em ambient music! Tem sido assim a minha vida nos últimos anos… tem sido muito interessante (risos).
Entrevista: Bruno Martins