Foto: David Caetano
“As músicas são lentas, mas continuam a furar”
Cinco anos depois do lançamento do disco de estreia, que vinha carregado de estrondosas malhas rock ‘n’ rol – e ainda hoje nos agitamos quando nos lembramos de “Senhora do Monte” – Os Velhos estão de volta aos discos. O regresso de Francisco Xavier (voz e guitarra), Pedro Lucas (bateria), Sebastião Ribeiro (baixo) e Zé Tavares (guitarra) é feito com mais um trabalho homónimo numa velocidade bem mais lenta, com uma certa embolia, como nos diz o baterista Pedro Lucas. São nove temas revestidos em jeito de folk-blues, como se estivéssemos a conduzir, tristes e saudosos, uma pick-up em Odessa. Os Velhos envelheceram, mas continuam a sentir as coisas como se fossem miúdos de 20 anos.
O que é que foi feito d’Os Velhos nos últimos cinco anos, desde que editaram o último disco?
A banda esteve a viver um bocado no seu próprio ritmo normal de vida. A música demorou o seu tempo a aparecer. Ensaiámos sempre com muita regularidade, porque é uma coisa que nos apraz fazer, mas daí até gerar novas coisas que depois pudessem ser gravadas e que depois pudessem aparecer num disco demorou um tempo natural – e que acabou por tornar-se em cinco anos.
No teu caso particular: ainda lançaste dois trabalhos a solo, enquanto Lucas Bora-Bora.
Eu fiz essas coisas mais lúdicas: um EP e um disco em que me fui distraindo durante o tempo em que estávamos a fazer as primeiras ideias que mais tarde pudessem vir a ser um disco. O primeiro disco foi muito intenso para nós, por isso até se pode dizer que Os Velhos estiveram a descansar. No último ano pensámos que já era demais e tínhamos que visar o objetivo e rematar para golo (risos).
“O primeiro disco foi muito intenso para nós, por isso até se pode dizer que Os Velhos estiveram a descansar. No último ano pensámos que já era demais e tínhamos que visar o objetivo e rematar para golo”
Quando é que perceberam mesmo que tinham de começar a trabalhar um bocadinho mais a sério e a aperceber-se o rumo que o disco estava a tomar?
Foi uma coisa um bocado natural, porque mesmo quando se está a ensaiar as mesmas músicas há muito tempo, existe sempre uma procura de novas músicas, de novo material para tocar. Há uma espécie de contagem subconsciente de quantas músicas é que já se compilaram e até existe uma certa pressão para que as ideias que são muito embrionárias se consigam desenvolver. Quando temos, por exemplo, cinco músicas, já existe uma certa ânsia de ter mais para as podermos mostrar: há um ponto em que deixa de fazer sentido estar só naquela sala a tocar! Há vontade de apresentar mais.
E essas cinco músicas que já se tem alimentam novas ideias?
Claro. E as últimas músicas até já podem ser compostas de forma a ter efeito sobre as outras. No nosso caso, lembro-me que andávamos à procura de uma música rápida.
Mas parece que essa música rápida nunca chegou.
Sim, achávamos que o disco estava todo muito lento. Até é curioso: essa música rápida era para ser a “Manso”. Estávamos a tocar aquilo há um mês e tal e depois houve um ensaio em que percebemos que não estávamos a tocar aquilo tão bem e pensámos que ficava bem era lento. E ficou assim, lenta como as outras (risos). A única música rápida ficou lenta.
“As músicas são mais lentas, mas continuam a furar (risos). É um rock não tanto do salto, mas mais de emocionar, só que têm a mesma intensidade. Mas sim, já pode ser ouvido no sofá!”
Por saber aquilo que tinham feito no primeiro disco, este segundo tornou-se surpreendente: passei este tempo todo à espera de ouvir a tal música acelerada.
(risos) Pois é, pá. Mas olha que tentámos mesmo encontrar essa música que querias, mas não conseguimos (risos). Nós também tínhamos isso é um bocado óbvio: nos concertos usamos as músicas antigas para criar esse momento – é o momento em que de repente a coisa ganha aquele boost em que toda a gente salta. Mas como não aconteceu naturalmente, ficámos encantados com um certo transe. O disco é muito constante, tem praticamente o mesmo tempo e está muito circunscrito a uma matriz: é uma espécie de fórmula, tal como existe no fado, por exemplo. Esse transe, que dura uns 40 minutos, acabou por nos agradar e quando ouço o disco também acho surpreendente, porque é mais fácil haver a tal obsessão de criar momentos que mantenham a atenção e que transportem para aqui ou para acolá, e por isso é surpreendente fazer o contrário.
Foi mais fácil fazer as músicas lentas do que as rápidas do primeiro disco?
Não. Quer dizer: em abstrato é mais fácil, porque quanto mais espaço há na música, mais se ouvem os pormenores. O artesanato das coisas é um bocadinho mais rigoroso. E por isso é que quando se ouve músicas punk, podem não ser muito bem tocadas, mas no meio da eletricidade e da distorção soa um bocadinho mais coesas. Só que nós também estamos a tocar um bocadinho melhor – também é natural, com o tempo! – por isso não sentimos muito a dificuldade.
Há cinco anos deviam estar todos na casa dos 25 anos. Cinco anos depois estão, claro, na casa dos 30. Com 25 anos todos temos vontade de andar aos pulos num concerto – com 30 já não é o que nos apetece. A desaceleração também pode vir do envelhecimento dos Velhos?
Estou a pensar numa boa metáfora: a das tias que não veem os sobrinhos há muito tempo e de repente dizem: “Estás tão crescido! Deste cá um salto!” Naturalmente que isso também fez parte e tem o seu lugar no resultado que é este disco. Mas também há outras coisas que tiveram: as coisas que nos entusiasmam agora, mas que também podem estar relacionadas com isso, porque também se ouve mais uma música de outra natureza. Na altura se calhar estávamos mais encantados com bandas de rock mais rápido e agora houve outras coisas que nos entusiasmaram, mais lentas – ainda que bastante americanas e relacionadas com rock ‘n’ roll e com o blues. E não é que seja coisa pensada, mas é natural procurar uma evolução: fazer a mesma coisa seria estranho e aí seria premeditado.
“O disco é muito constante, tem praticamente o mesmo tempo e está muito circunscrito a uma matriz: é uma espécie de fórmula, tal como existe no fado, por exemplo. Esse transe, que dura uns 40 minutos, acabou por nos agradar e quando ouço o disco também acho surpreendente”
E como tem sido criar o contraste ao vivo entre as músicas mais rápidas, as dos tais miúdos cheios de energia no palco, e as mais lentas, dos homens de 30 anos sentados no sofá ao fim do dia a ler o jornal?
As músicas são mais lentas, mas continuam a furar (risos). É um rock não tanto do salto, mas mais de emocionar, só que têm a mesma intensidade. Mas sim, já pode ser ouvido no sofá – espero que não seja para ouvir a ler no jornal! Ao vivo cria o tal efeito oscilante. As músicas antigas, no fundo, vêm retirar as pessoas daquela embolia, pôr gás e acordar um bocado, e depois voltamos ao quentinho. Sente-se que é a mesma banda: muitas pessoas que gostavam do disco anterior surpreendem-se e ficam um bocado de pé atrás, mas depois acabam por gostar também deste universo, porque os conteúdos e a forma de os dizer mantém-se bastante alinhados.
Entrevista: Bruno Martins