“O pijama tornou-se peça essencial: estou preso ao pijama como estamos presos às máquinas”
Paulo Zé Pimenta é músico e, a meias com o irmão, fundador da editora Meifumado — que nos últimos anos nos trouxe projetos como Guta Naki, Expeão, Peixe, Conjunto Corona (e que irá editar o disco de Orelha Negra). Mas Paulo Zé Pimenta é também a mente por detrás do universo de PZ, projeto com que edita agora o quarto disco, Império Auto-Mano, sucessor de Mensagens da Nave-Mãe. Mesmo sendo uma espécie de alter-verso, descomprometido, divertido, irónico e satírico, os temas de PZ estão cada vez mais sólidos, a fazerem cada vez mais sentido, mesmo que se fale de “fome de lulas” ou de viagens para a lua com “gajas” que se vão conhecendo aqui e acolá — o coração bate e nada se pode fazer contra isso.
Dizemos “Olá” a Paulo Zé, que nos conta como cresce a sua música, como é que foi invadido por este Império Auto-Mano.
O Império Auto-Mano é o teu quarto trabalho enquanto PZ. A sensação que me dá é a de que cada disco de que passa o teu trabalho de pegar nos instrumentos e compor vai ficando um bocadinho mais sério… e não estou a perguntar isso com desrespeito para os outros discos!
(risos) Eu percebo a tua questão, porque também sinto isso! Senti que é o meu álbum mais maduro — mas eu também não tenho sempre a mesma idade, não é? Também vou amadurecendo e para o melhor e para o pior vou vivendo. Nos outros discos as coisas que me apareciam eram um bocadinho mais aceleradas, o que as tornava mais numa coleção de músicas. Esta é a primeira vez em que vejo que tenho aqui um disco, um álbum. Eu sempre gostei muito da estética do álbum e aqui cheguei ao fim e consegui ouvi-lo como um álbum.
E porque é que achas que isso acontece? É tudo culpa do passar dos anos ou agora já conheces melhor este universo de PZ e já partes com a cabeça mais focada para isso mesmo?
Talvez, sim, mas ao mesmo tempo é uma coisa natural, porque até há ali uma ou outra música que já tem um ou dois anos, mas que não estava pronta. Neste disco comprometi-me a mexer nessas canções e também a tentar melhorá-las. As estruturas das músicas variam mais dentro delas próprias e mesmo os temas, se calhar, são um pouco mais introspectivos. Poderá ser menos humorístico, mas ainda tem as suas partes de cinismo, ironia e sarcasmo, com salpicados de humor. Mas ao mesmo tempo eu vou amadurecendo a minha visão da sociedade em geral do mundo e daquilo que se vai passando à nossa volta.
“Senti que é o meu álbum mais maduro — mas eu também não tenho sempre a mesma idade, não é? Também vou amadurecendo e para o melhor e para o pior vou vivendo”
De onde vem o trocadilho Império Auto-Mano?
O título tem um bocado a ver com a vaga terrorista. Diz-se que os terroristas estão a querer voltar a ter o poder mundial do Império Otomano, mas neste momento estão a lutar contra o império Auto-Mano: automático, nós estarmos cada vez mais a alimentar a máquina, cada vez mais presos às máquinas, a termos cada vez menos tempo para as relações pessoais. A tecnologia é muito boa, mas cada vez perdemos mais tempo para a tecnologia e temos menos tempo para as relações humanas. Há que saber dosear — e não quero dizer que é tudo mau, mas eu próprio também me sinto um bocadinho preso à máquina. A informação é tão rápida e vem de tanto lado que nós quase que somos obrigados a viver quase como cyborgs. Quem é que hoje em dia não tem um telemóvel ou não tem computador? Vemos pessoas em concertos ou jogos de futebol a olhar para o telemóvel. De repente está tudo ligado nas redes sociais e na realidade… física não.
A tua fina dose de ironia e humor continua de setas apontadas para estes assuntos um bocadinho mais sérios?
Sim, se calhar. Até mesmo a “Olá” é muito simples, mas é sobre isso: cumprimentamo-nos, mas falamos depois. Às vezes diz-se só olá e não há um desenvolvimento. Também há canções em que também ponho um bocadinho do que eu já tenho vivido na música, como a “Zona Zombie”, que é a minha relação com as outras pessoas e com alguns haters (sorri). É o jogar um bocadinho com a minha vida. Já não sou uma criança, mas gosto muito de revelar um pouco dessa inocência infantil nos meus álbuns.
Estamos todos muito presos às máquinas e tu também, isto de um ponto de vista de criação musical. Os sintetizadores e as drum machines são os teus instrumentos de eleição para compor?
Sempre tive essa relação muito próxima com os sintetizadores. Também os vou descobrindo cada vez melhor, experimentando novos. Há uma música chamada “No Meu Lugar” que foi toda feita com um OP-1. Muitas foram feitas com a Tempest, uma drum machine mais moderna. A “Olá” é feita totalmente com a Roland TR-909 e TB-303 — dois ícones dos sintetizadores que eu já comprei há muitos anos no eBay. Já valem o triplo! Mas eu sempre gostei muito desses sons: pego nas máquinas, programo os beats e muitas vezes nos sintetizadores faço overdubs, no SH 101, sobretudo. A cada disco que passa fico cada vez mais metido nesse mundo das máquinas e a ficar um nerd dos sintetizadores.
“As estruturas das músicas variam mais dentro delas próprias e mesmo os temas, se calhar, são um pouco mais introspectivos. Poderá ser menos humorístico, mas ainda tem as suas partes de cinismo, ironia e sarcasmo, com salpicados de humor”
Dizes que chegas ao fim do disco com um trabalho muito uniforme, com a sensação de que tens um disco. Começas sempre cada trabalho com a vontade de fazer um álbum ou reunir uma coleção de canções?
Desde o Anticorpos, de 2005, que iniciei o PZ. Estava numa época um bocado depressiva e comecei a fazer música à minha maneira. Em 2012, voltei com o Rude Sofisticado e acho que aí fui construindo um bocado este meu mundo, expressar-me à minha maneira dentro das minhas letras. A partir do momento em que vejo que tenho já uma dúzia de músicas que me parece um álbum, páro e começo a finalizar todos esses temas. Foi assim no Rude Sofisticado, no Mensagens da Nave-Mãe e aqui também. A ideia é sempre a evolução do PZ, não sei por que caminho. Quando estou a fazer as músicas, à là PZ, consigo imaginá-las incluídas dentro de um objeto fechado, um álbum, porque as coisas que eu sempre gostei de ouvir sempre tiveram esse formato.
Tens colaborado com alguns amigos e artistas, como o caso do dB, os Ollgoody’s, mas nunca em disco!
Basicamente, o PZ é um egoísta! (risos) Não quero trabalhar com mais ninguém: é a minha cena à minha maneira. As participações não costumo incluí-las nos discos. O Rude Sofisticado tem uma vozinha de um amigo meu a gritar “MUNDOOO!” (risos). É o que diz nos créditos: “Toda a música feita por PZ exceto voz fininha em “Mundo”. No primeiro disco o Zé Nando, o meu irmão, fez algumas guitarras de “Sofá Eferverscente”. Por isso é uma coisa mais de momento. Mas pode acontecer, uma coisa tipo “PZ e Amigos”, como o “Pavarotti & Friends” (risos).
Os teus vídeos também parecem ter sempre um papel muito importante no universo PZ. São sempre ideias definidas ou temas que vais limando com o passar do tempo?
O vídeo é sempre um after-tought e gosto disso, porque é pegar nas músicas e pensar em como torná-las visualmente interessantes. Eu costumo trabalhar com o Alexandre Azinheira, quando quero uma produção mais bem feita. Eu às vezes tenho uma ideia e ele aparece com outra completamente nova! Confio muito no gosto e no trabalho dele. Eu, entretanto, também vou fazendo as minhas produções, como a “Olá”, no Rude Sofisticado fiz “O Que Me Vale És Tu” e o “Passeio”, que é dançar em frente à câmara, basicamente. Nunca estou a fazer uma música a pensar num vídeo: primeiro a música e só depois o vídeo. Gosto mais de ouvir um álbum e uma música sem estar a olhar para o videoclip, mas sei que o vídeo torna a experiência interessante.
“Diz-se que os terroristas estão a querer voltar a ter o poder mundial do Império Otomano, mas neste momento estão a lutar contra o império Auto-Mano: automático, nós estarmos cada vez mais a alimentar a máquina, cada vez mais presos às máquinas, a termos cada vez menos tempo para as relações pessoais”
A ideia de hoje em dia te apresentares nos concertos de pijama até surge com os vídeos, certo? Por causa de “O que me vale és tu”, onde apareces no quarto, a dançar, em pijama…
Às três da manhã. Sim, pensei: “siga, é de pijama”. O Alexandre sentiu que “Croquetes” também devia ser de pijama e fomos para a frente com isso. E houve um dia que decidi ir de pijama para um concerto e colou bem. Foi inesperado, mas que tem a ver com a minha produção musical: em casa, sozinho, às horas que me apetece, a nadar na minha própria preguiça e inspiradora para as letras. Há uma música neste Império Auto-Mano que começa com “não quero pôr o pé lá fora” — a “No Meu Lugar” — que até é um bocadinho fora do registo que tenho feito, um pouco mais lamechas. O pijama tornou-se peça essencial do PZ: fiquei um bocado preso ao pijama como estamos presos às máquinas (risos).
Deixa-me recuar uns anos e perceber de onde vem o teu interesse por este universo das máquinas e dos sintetizadores.
Vem do techno! (risos) Eu sempre fui autodidata: ouvia o meu irmão a tocar uma peça de piano e conseguia ir lá só de ouvido. Depois comecei a tocar guitarra, também. E houve um dia em que o meu irmão mostrou-me coisas da [editora] Ninja Tune e os Hardfloor, que ainda hoje é uma das minhas bandas favoritas de techno. Eu ouvi aquilo e quis perceber como é que aquilo se fazia! Quando percebi que era com uma pessoa, com drum machines e sintetizadores, comecei a explorar num sampler da Roland, um MC-303. O Anticorpos foi feito assim, em Cuebase. Fiquei fascinado, de facto, com o instrumento e ainda hoje o meu instrumento de eleição são os sintetizadores, mesmo que adore tocar piano, baixo, guitarra e bateria.
Mesmo com outras bandas no teu catálogo, preferes trabalhar com o conforto da tua solidão?
Era o que dizia: o PZ é um gajo egoísta! Sim, prefiro ser eu a fazer essas coisas, a expressar-me em instrumentos diferentes. Mas já começo a trabalhar em projetos mais fora e adoro estar com outras pessoas, num formato mais banda. Eu adoro que me convidem, as pessoas é que não me convidam (risos)! Se não me convidam, olha faço eu! Nesta vida, para as coisas estarem feitas, tens que ser tu a fazer.
“A cada disco que passa fico cada vez mais metido nesse mundo das máquinas e a ficar um nerd dos sintetizadores”
O PZ pode aparecer em breve no universo do Conjunto Corona?
Uma participação sim. Eles já tinham pensado numa coisa para este Cimo de Vila Velvet Cantina, mas eu fui preguiçoso e não fiz. Eles avançam muito rápido, à maneira deles, e quando eu disse que estava eles disseram que já foi! Fica para a próxima: está lá o beat, mas agora não sei se e quando vai sair. E também gostava de fazer mais coisas com os beats do dB.