“Este disco teve que ser quase à bruta senão ninguém fazia nada”
Quase quatro anos volvidos desde Homem Elefante os Riding Pânico regressam aos discos. Sangue e músculos novos para dar corpo a Rabo de Cavalo, o terceiro tomo desta banda intergeracional que hoje tem na sua formação rapazes de 22 anos e homens de 43 – Fábio Jevelim, Makoto Yagyu, Miguel Abelaira, João Nogueira, João “Shela” Pereira e José Penacho.
Pelos Riding Pânico já passaram muitos músicos, muitas vontades e formas de tocar – o novo trabalho, diz o novo baterista Miguel Abelaira, se não se soubesse, não se diria que é Riding Pânico: vem com outra elegância, com outras velocidades e dinâmicas. O que se mantém, diz o veterano João Nogueira, são as eternas vozes da banda: as três guitarras.
O novo disco, Rabo de Cavalo, é apresentado amanhã, quinta-feira (16 de março) no Musicbox, em Lisboa.
Os Riding Pânico passaram por um período de mudanças na formação. Essas alterações ajudaram a despertar a criatividade para este terceiro disco?
João Nogueira [JN] – Nós lançámos o Homem Elefante (2013) e ainda fizemos uns concertos valentes com esse disco. Entretanto, um dos elementos – o Jorge [Manso] – foi trabalhar para fora e nós começámos a ficar um bocado fartos daquelas músicas. Entretanto, a seguir, também eu fui para fora depois de ter tido uma proposta de trabalho. É nessa altura que entra o Miguel [Abelaira] e o Zé [Penacho] . Uma coisa acabou por puxar a outra: havia sangue novo na banda e eles, por cá, decidiram, em 2015, começar a fazer malhas novas.
As novas canções aparecem quando ainda estás fora?
JN – As duas primeiras eu ainda estava cá. Depois, entretanto, é que me fui embora. Eles deram uns concertos, mas em termos de composição ficou por aí.
Miguel Abelaira [MA] – As duas primeiras canções que fizemos estavas cá, mas creio que já não estavas na banda.
JN – Fiz o concerto do Milhões de Festa: uma super-banda de nove ou dez pessoas em palco.
MA – Nessa altura havia umas ideias, só.
Miguel, como é que te juntas aos Riding Pânico?
MA – Na altura o Fábio [Jevelim] mandou-me uma mensagem para o Facebook, uns três meses antes do Milhões de Festa a dizer que estavam sem baterista e a perguntar se eu queria fazer o concerto do Milhões de Festa. Na altura o Zé também ia substituir um dos guitarristas, o que foi fixe porque eu não os conhecia bem, mas conhecia o Zé – com quem já tinha tocado. Já gostava de Riding Pânico por isso não foi difícil de aceitar.
“Do meu ponto de vista, se ouvisses isto e não soubesses que isto é Riding Pânico, se calhar não dirias que é Riding Pânico. É mesmo bué diferente dos outros dois”
As novas canções começam a aparecer porque tu também começas a desafiar a malta para criar coisas novas, Miguel? O sangue e músculos novos – teus e do Zé – também provocaram, naturalmente, essa vontade?
MA – O nosso início serviu mais integrar os novos membros na banda. O objetivo foi conseguir tocar as músicas que já existiam – e isso ainda demorou algum tempo. Depois, esse lado da novas malhas, partiu mais do Fábio [Jevelim], num ensaio ou outro, a começar a tocar um riff novo ou outro qualquer que ele tinha e começámos a meter cenas por cima. Mas durante quase meio ano foi quase só tocar as músicas que já havia. Só mesmo depois desse concerto do Milhões é que eles perceberam que se calhar a formação fazia sentido e que poderiam gravar um álbum novo no ano seguinte. Não aconteceu no ano a seguir, aconteceu passados só dois ou três. Só começámos a fazer malhas novas no final de 2015 e só pegámos outra vez no final de 2016.
Foi em 2016 que voltaste a Portugal, João?
JN – Exatamente.
Como é que estava a banda nessa altura? Como foi voltar aos Riding Pânico?
JN – Antes de voltar de vez ainda estive cá de férias, fui ao concerto dos Bons Sons com eles [2015], mas foi estranho ver a minha banda a tocar sem mim. Mas quando voltei, no final de 2016, tinham passado quase três anos sem tocar guitarra.
Onde tinhas estado?
JN – Em Angola. Tinha a guitarra lá, mas sem tocar, sem compor, sem fazer coisas novas. E senti isso quando voltei à banda: estava muito enferrujado, não só tecnicamente como criativamente. Houve ali uma fase de adaptação e frustração em que parecia que a coisa não arrancava. Tanto que as primeiras tentativas de gravação que tivemos para mim foram horríveis e deixaram-me desanimado.
“Embora sejamos uma banda instrumental, são três vozes distintas e que sempre foram desde o início. As vozes da banda acabam por ser as três guitarras – e essa é a linha que se mantém desde o início”
Quando foste para Angola – o Jorge já tinha ido – o que é que disseste à banda? Deixaste a porta aberta para o regresso?
JN – Nunca houve sequer essa conversa. Apareceu-me a oportunidade de trabalho a que não podia dizer que não – e mesmo toda a experiência que foi para mim, pessoalmente, que foi sair daqui do meu ninho e ir para uma realidade completamente diferente. Como disse, quando voltei numas férias pediram-me para ir tocar, mas como eu estava super enferrujado também não estava para ali virado e fui só curtir. Mas os Riding Pânico nunca foram uma porta que se fechou. Tanto que foi natural no meu regresso, até com esta parte toda do HAUS a acontecer, aqui ao pé de casa, rapidamente comecei a passar os dias aqui.
Os dedos rapidamente desenferrujaram.
JN – Não foi tão rápido quanto isso! (risos) Envolveu algum suor e lágrimas.
Há uns tempos, em conversa com o Makoto e com o Fábio Jevelim, eles disseram que já tinham dias marcados de estúdio da banda para fazer um novo disco e que, com ou sem músicas novas, a inspiração teria que aparecer, obrigatoriamente. Foi assim que funcionou?
JN – Neste disco foi. Os discos anteriores foram feitos em salas de ensaios – durante dias, meses, horas e horas. Este Rabo de Cavalo foi diferente: estávamos a voltar a ter convites de para ter concertos, estávamos saturadíssimos de tocar as mesmas músicas e havia uma necessidade de fazer coisas novas e aproveitar esta formação para fazer coisas realmente novas. Teve que ser quase à bruta senão ninguém fazia nada: conseguir conciliar seis pessoas para vir compor em sala de ensaio… teve que ser assim, com trabalho de casa, propostas e crescer tudo a partir daí. Grande parte do disco partiu de ideias do Fábio e começámos a construir à volta daquilo, coisas que acabaram por ir para sítios diferentes. Foi mesmo um disco sobre pressão.
“O disco teve para se chamar Montanha Russa, que também fazia jus àquilo que se ouve. Acabou por ficar Rabo de Cavalo numa brincadeira à noite, à volta de cervejas. E é mais uma piada por todos os discos terem sempre um animal”
O que é que se ouve de novo neste Rabo de Cavalo?
MA – É tudo um bocado novo. Do meu ponto de vista, se ouvisses isto e não soubesses que isto é Riding Pânico, se calhar não dirias que é Riding Pânico. É mesmo bué diferente dos outros dois. Se calhar o Homem Elefante, por ter o mesmo baterista que o primeiro Lady Cobra, faz com que a cena fique mais unida e seja mais coerente. Aqui mudaram tantos membros – o Fábio também já não vem do Lady Cobra; o Zé tem uma maneira de tocar completamente diferente do Jorge e eu tenho do [Carlos] Bb.
O que achas, João?
JN – Sim, sim. São pessoas novas e influências completamente diferentes. O primeiro disco, Lady Cobra, é quase todo ele proposto com riffs do Jorge – que vem de uma escola de hardcore – e com o Miguel [Correia] também havia muito mais peso e distorção. Nota-se já depois uma diferença com a saída do Miguel e a entrada do Fábio no Homem Elefante, em que começamos a perder e vertente mais pesada. E agora, então, este disco é completamente diferente: o Zé e o Miguel são outras referências e influências.
O que é que se mantém do passado?
JN – O Miguel há bocado fez referência a isso: o facto de termos três guitarras. Embora sejamos uma banda instrumental, são três vozes distintas e que sempre foram desde o início. As vozes da banda acabam por ser as três guitarras – e essa é a linha que se mantém desde o início. Claro que este disco tem muito mais teclado, com muito mais espaço. Os outros estavam muito feitos à volta das guitarras e neste o Shela teve bastante mais espaço.
Quando ouço Rabo de Cavalo penso mesmo na cauda do cavalo – e não num tufo de cabelo apanhado. E este parece-me um disco muito elegante e suave, mas ao mesmo tempo veloz e bruto. Claro que há uma grande probabilidade de tudo isto ser filosofia barata à volta de um título de um disco…
JN – (Sorri) Na verdade, Rabo de Cavalo foi um nome que apareceu à última da hora. O disco teve para se chamar Montanha Russa, que também fazia jus àquilo que se ouve. Acabou por ficar Rabo de Cavalo numa brincadeira à noite, à volta de cervejas. E é mais uma piada por todos os discos terem sempre um animal. Não pensámos na elegância equestre do animal (risos).
“Eu nem penso bem nessa parte das idades, tanto que Riding Pânico vai dos 42 aos 23… há aqui uma diferença, mas que não se sente. Nem na estrada, nem na sala de ensaio nem em lado nenhum. Não penso nisso nunca – e se pensar até faz alguma confusão!”
É o que digo: são filosofias de quem vai à procura de justificações. Acredito que a escolha dos nomes das canções que vão de velhas glórias do atletismo, como “Rosa Mota”, até velhas glórias do Benfica, como “Mats Magnussen”, também seja da mesma forma…
MA – Epá… ya! (risos) É sempre assim. Se calhar os nomes das músicas tiveram menos cervejas à mistura. Quando fazemos as músicas não lhes damos nomes – a não ser o “Café Del Mar”, porque a música soava-lhe a Café Del Mar. As outras músicas eram a “02”, “03” e “04”… até ao dia em que o artwork tinha que ficar pronto!
Agora é altura de preparar esta canções para o palco. Também é Pânico ensaiar todo este volume e texturas?
JN – Os primeiros ensaios foram isso mesmo: Pânico. A coisa agora começa a compor-se. O disco foi criado em estúdio, sem a parte da sala de ensaios então tem havido agora um trabalhinho árduo de conseguir pôr as coisas no sítio e perceber como funciona ao vivo
Como é que é conciliar estas diferentes gerações de Riding Pânico? Nesta altura há uma diferença de idades mais vincada…
JN – Eu nem penso bem nessa parte das idades, tanto que Riding Pânico vai dos 42 aos 23… há aqui uma diferença, mas que não se sente. Nem na estrada, nem na sala de ensaio nem em lado nenhum. Não penso nisso nunca – e se pensar até faz alguma confusão (risos). Já passou tanta gente nesta banda e nunca se sentiu porque sempre fizemos a coisa com amigos e acho que essa é a única condição para se fazer parte da banda.
Já falou um dos mais velhos. Agora o que diz um dos mais novos?
MA – É isso. É como o amor: não escolhe idades! E tal como o pessoal mais velho tem coisas para ensinar aos mais novos, os mais novos também hão-de ter coisas para os mais velhos aprenderem.
Bruno Martins