“Tem sido uma viagem constante”
É um dos nomes históricos do hip hop português. Marko Roca nasceu em Zagreb, filho de pai croata e mãe minhota, e cresceu com o hip hop, com o nome artístico D-Mars. Com os Zona Dread, no meio do movimento Rapública, e com os Micro. Das rimas, há quase 12 anos, passou também para as batidas em formato quase exclusivo: assumiu a persona de Rocky Marsiano e a partir dos ritmos clássicos do hip hop começou a trabalhar com as inspirações mais jazzísticas e a criar discos fumarentos e quentes.
“Nunca gostei — enquanto Rocky Marsiano — de explorar dois ou três álbuns seguidos com o mesmo tipo de som”, diz-nos Marko Roca a partir de Amesterdão, para onde se mudou há uma mão cheia de anos. E porque nunca quis explorar universos unidimensionais, o produtor luso-croata foi mexer nas memórias de infância, a criar e a cortar-e-colar batidas da coleção de discos de tropicalismo da mãe. Daí até o amigo e digger Rui Miguel Abreu lhe entregar uma caixa com discos africanos para samplar foi um saltinho. É por estas paragens luso-africanas que tem andado, nos últimos anos, Rocky Marsiano. E, mais uma vez, sem estacionar: já não lhe chegam só os samples e os discos antigos, ao ponto de ter reunido o conjunto Meu Kamba Sound, onde há guitarras, percussões e vozes tocadas e interpretadas ao vivo. No festival MIL, já na reta final de dois dias no Cais do Sodré, Marko Roca aka Rocky Marsiano — em formato DJ set — vai mostrar já alguns temas novos dos vários singles e EPs que editará até ao final do ano.
Vais estar, próxima sexta-feira, dia 2 de junho, no Musicbox, na reta final do segundo dia do festival MIL. O que é que estás a preparar para a tua atuação?
O que vou fazer é tentar, numa hora, apresentar o trabalho que tenho feito nos dois últimos anos. Vai ser um set que vai viajar entre a música mais tradicional luso-africana e música mais (sorri) moderna: com a mesma raiz, mas com outra roupagem mais contemporânea.
Rocky Marsiano atua no Festival MIL no dia 2 de junho, às 3h, no Musicbox, em Lisboa
Creio que estes dois últimos anos serviram para descobrir muitas novas referências e, ao mesmo tempo, reencontrares-te com ideias do teu passado. Queres explicar-nos que trabalho tem sido esse?
Tem sido uma viagem constante, até porque eu nunca gostei — enquanto Rocky Marsiano — de explorar dois ou três álbuns seguidos com o mesmo tipo de som. Agora estou a gostar muito de explorar o som luso-africano: em Meu Kamba explorei mais música só de Cabo Verde e Angola; no segundo volume já há muita influência da Guiné Bissau. E ao vivo, por exemplo, na última noite que tive com o formato live com o meu coletivo — Meu Kamba Sound — já introduzimos temas do futuro álbum onde quase já não há samples, onde há mais músicos a tocar ao vivo em cima de instrumentais originais, mas sempre presente com essa influência afro. Tudo começou com os discos do Rui Miguel Abreu e depois com a minha própria pesquisa pelo mundo da música luso-africana até ao ponto de hoje produzir música influenciada por tudo isto. É quase um ciclo completo.
No início da carreira enquanto Rocky Marsiano, depois dos Micro, já tinhas feito algumas experiências na música tocada ao vivo, sem ser só samplada, na altura mais próximo das ideias do jazz. É um regresso a essas experiências?
Não é um regresso: é um repetir, mas completamente diferente. Por exemplo, nos novos temas tenho o Nelson da Costa — irmão do Manecas da Costa — a tocar guitarra. Tenho o Tóni, que também é percussionista dos Batoto Yetu. São músicos muito diferentes daqueles com quem eu tocava no início da minha carreira como Rocky Marsiano. No início era muito verde e basicamente entregava o espaço da música aos solistas e dizia quase sempre: “Ya, está bom!” e segue. Hoje já não é tanto assim.Também aquilo que hoje peço aos músicos e a interação que tenho com eles é muito diferente.
O Rui Miguel Abreu teve um papel importante nesta nova vida de Rocky Marsiano, com o projeto Meu Kamba. Mas antes disso, tu já tinhas feito um disco com a influência dos ritmos brasileiros: Music For All Seasons.
Sim, o tropicalismo brasileiro está presente na minha vida desde bebé, basicamente. A minha mãe cresceu no Rio de Janeiro e trouxe com ela uma coleção de discos ainda bastante grande e que agora está aqui comigo em Amesterdão. E aos fins de semana ela punha a tocar os vinis a tocar na nossa casa, ainda em Zagreb, na Croácia. E basicamente cresci a ouvir o Caetano [Veloso], o Gilberto Gil, Chico Buarque, muita bossa nova… a música tropical, do lado do Brasil, sempre esteve presente na minha cultura familiar. E foi das primeiras coisas que samplei, tal como muitos produtores, que vão mexer primeiro nos discos dos pais. Depois a música africana, especialmente de Cabo Verde, também sempre esteve muito presente porque a malta que era da minha banda, os Micro, era de origem cabo-verdiana e através deles comecei a conhecer. A minha ex-mulher também é meio cabo-verdiana e então com ela também descobri muita música de Cabo Verde. Quando eu e o Rui Miguel Abreu começámos a aventura de Meu Kamba, comecei a descobrir mais música angolana.
“A ligação entre Guiné e Cabo Verde está mais na língua, porque a música soa bastante diferente. A guitarra elétrica da Guiné soa muito mais distorcida e está mais presente do que a guitarra na música de Cabo Verde. E em Cabo Verde existem ritmos próprios, como a koladera”
Numa entrevista ao Rimas e Batidas dizias que estavas a descobrir o desert blues da África mais saariana. Ainda é só pelo prazer da descoberta ou já vais começando a trabalhar nisso?
Estou só a curtir (risos). Não tenho tido muito tempo para ouvir muita música, por causa do bebé. Quando tenho tempo para ouvir música é mais na bicicleta, quando vou para o trabalho ou para a cidade. E gosto de ouvir esses ritmos, porque fazem-me viajar, completamente. Tem uma riqueza diferente daquela a que já estou habituado, com mais guitarra. As guitarras elétricas parece que têm uma ligação direta e o blues dos EUA.
E nos ritmos com que tens trabalhado e produzido nos últimos anos? Em que é que a música de Cabo Verde se liga à de Angola ou à da Guiné, por exemplo?
Entre Guiné e Cabo Verde, por exemplo, a ligação está mais na língua, porque a música soa bastante diferente. Ou foi gravada em estúdios diferentes… a guitarra elétrica da Guiné soa muito mais distorcida e está mais presente do que a guitarra na música de Cabo Verde. E em Cabo Verde existem ritmos próprios, como a koladera, por exemplo, que não existem noutros países africanos. O ponto comum será o tal facto de ser a África lusófona.
“O tropicalismo brasileiro está presente na minha vida desde bebé, basicamente. A minha mãe cresceu no Rio de Janeiro e trouxe com ela uma coleção de discos ainda bastante grande e que agora está aqui comigo em Amesterdão”
No final deste mês de maio vais começar a ser editados alguns novos singles e EPs. O que é que vais andar a fazer?
Eu gravei um álbum há cerca de três meses, mas decidi não o lançar. Não faz sentido, neste momento, da forma como está a indústria musical. E não me apetece editar vinil próprio. Então encontrei editoras que já conheciam o meu trabalho e assinei alguns contratos para se editar três ou quatro EPs que “compilei” a partir desse álbum que já estava feito. E até ao fim do ano vão sair três ou quatro EPs.
Tudo com temas inéditos.
Exato, quase sem samples. Há mais instrumentos tocados ao vivo, com várias participações vocais: do Karlon, do Sagaz, da Selma Uamusse.
“A música africana, especialmente de Cabo Verde, também sempre esteve muito presente porque a malta que era da minha banda, os Micro, era de origem cabo-verdiana. A minha ex-mulher também é meio cabo-verdiana e então com ela também descobri muita música de Cabo Verde”
Vamos ouvir alguns destes temas novos já no MIL?
Sim. Os temas estão muito bons para a pista, já misturados e masterizados. O que tenho feito nos meus DJ sets é tocar música produzida de raiz ou reworks meus. Quero que seja um set que soe mesmo a algo meu.
Agora que tocas com mais músicos, com menos samples, implica teres que vir mais vezes a Lisboa? Como é que tem funcionado esta ponte aérea entre Amesterdão e Lisboa?
Como é malta com quem já toco há 20 anos, a confiança é total. Só em festivais maiores é que fazemos um ensaio maior. Mas para as noites de residência mensal no Musicbox, em Lisboa, por exemplo, a minha ideia até passa por arriscar e improvisar um pouco. Tem corrido muito bem, mas tem sido cansativo: tive um bebé há pouco tempo, mas não me queixo! É só cansativo.
Entrevista: Bruno Martins