“Somersault é mais da introspecção do que da explosão”
Os Somersault são uma dupla de Lisboa formada por André Rito e Filipe Barros. Foi com Rito que o projeto começou a ganhar forma, pelas composições instrumentais caseiras, íntimas e muito pessoais, nascidas da sua paixão desprendida por melodias e pela composição. Barros juntou-se para ajudar a fazer crescer as melodias e a criar o primeiro EP de apresentação, homónimo, com quatro faixas. Delicado, introspetivo e melancólico, os Somersault – nome de filme, mas também de exercício acrobático – estão ainda a crescer, mas têm já motivos para se fazer ouvir e André Rito explica-nos porquê. Quinta-feira tocam no Estrela, no bairro da Graça, em Lisboa; e sexta-feira na Voz do Operário.
André, a tua ligação à música começou em pequeno com a bateria. Mas os Somersault não têm nada que ver com esse universo.
Sim, estudei na escola de jazz do Porto, mas não tenho uma formação musical. A bateria ensina uma coisa muito importante que é a noção do tempo, ainda que toda a música seja redutível a essa coisa quase matemática do tempo. Mas a bateria até acabou por ajudar-me a tocar piano: eu nunca tinha tocado, nem sequer tinha teclados em casa. Há uns anos comprei um sintetizador e esforcei-me para fazer qualquer coisa. A bateria nisso foi fundamental porque o piano é uma coisa totalmente de baterista, de percussão, de ritmo, de independência entre mãos e pés.
Mas, por regra, a bateria pode levar o músico a ter uma atitude mais expansiva, mais irreverente. Os Somersault vêm mais de dentro e são também para aí virados: para dentro.
Sim, é um universo criativo mais da introspecção do que da explosão. Mas eu sou um gajo do rock: tenho 39 anos e apanhei aquela geração toda de 1990 e comecei a tocar bateria até por causa disso, porque era o instrumento para “partir” mais. Mas ao mesmo tempo, nos outros instrumentos, sempre gostei mais da harmonia mais contida, mais calma. E gosto muito de música mais calma, vejo as minhas músicas andam sempre nos intervalos de tempo entre os 55 e os 75 bpm! Mas com os outros instrumentos sempre foi algo mais calmo, mais introspectivo e ambiental.
Encontraste nos sintetizadores uma melhor forma de expressares o teu lado mais íntimo?
Mesmo antes do sintetizador, com um pequeno órgão Casio, com uns sonzinhos engraçados. Há uns anos comprei um processador de efeitos de guitarra e uma loop station. Queria mais sons, ainda que se projetasse para algo mais contido e melancólico. É raríssimo o ambiente que tenha feito que tenha começado com bateria. Sempre fiz música em guitarra, baixo ou em brincadeiras dos tecladinhos. E gosto do ar melancólico… sinto-me profundamente confortável a ouvir música triste.
“Quando entrou o Filipe, as músicas ganharam uma dimensão muito diferente daquilo que tinham e acabámos por regravar o que tinha feito sozinho. Foi nessa altura que falámos com o [José] Arantes, de Barcelos, que trabalha com os Black Bombaim e gravou umas coisas com o Noiserv”
E acho que é isso que reflete a tua música: conforto.
Por isso é que também sinto que as coisas que faço acaba por ser honesto. Até porque não é algo que nasça de várias tentativas. Faço na guitarra, passo para o telemóvel… estou no sofá com um teclado a ver televisão e vou construindo pequenas harmonias.
Apesar do aparente ar descomprometido, a tua música vem crescendo. Tanto que sentiste a necessidade de juntar mais uma pessoa ao projeto: o Filipe Barros. Porquê?
Tenho muitos amigos que gostam destas coisas da música que me foram encorajando e a quem fui mostrando aqui e acolá. Eu sentia falta de tocar, de ter um projeto meu. Comecei, aos poucos, a libertar algumas das coisas que fazia em casa, até que cheguei a uma altura em que me senti preparado e decidi marcar um concerto.
Ainda sozinho?
Sim, sozinho. E senti-me muito pouco confortável. Ao mesmo tempo, sozinho, sentia que o projeto era mais limitado. Para aquilo que gostava de fazer, mais ambiental, tinha um amigo – o Filipe – que é tinha o perfil certo: toca muitos instrumentos e é muito curioso. E o projeto tem muito esse lado de experimentação, de misturar instrumentos improváveis. Quando ele entrou, as músicas ganharam uma dimensão muito diferente daquilo que tinham e acabámos por regravar aquilo que tinha feito sozinho. Foi nessa altura que falámos com o [José] Arantes, de Barcelos, que trabalha com os Black Bombaim e fez umas coisas com o Noiserv. Gravámos cinco ou seis músicas que, na verdade, é este EP – gravado há já um ano. Desde então foi começar a tocar.
“A partir do momento em que começas a mostrar as coisas, elas fogem um bocadinho ao controlo, já não saem só daqui do sofá. Estou a aprender a lidar com isso e é um desafio monumental e estimulante”
Lidas bem com a partilha da tua intimidade musical com o palco e com as plateias?
Lido com alguma insegurança (risos). Eu gosto da ideia de mostrar as músicas e tenho orgulho, apesar de, muitas vezes, dizer que não tenho necessidade de tocar ao vivo e que gosto de ter as coisas em casa. Mas há uma altura em que não pode ser só isso… A partir do momento em que começas a mostrar as coisas, elas fogem um bocadinho ao controlo, já não saem só daqui do sofá. Estou a aprender a lidar com isso e é um desafio monumental e estimulante.
Ao ouvir este EP de estreia, nota-se a tal honestidade de Somersault ao ponto de se conseguir sentir o teu resguardo, timidez e auto-proteção. Achas que é um projeto que está a crescer e à procura de se mostrar verdadeiramente?
Acho que sim, que reflete o lado da timidez, mas também as diferentes coisas que tenho vindo a ouvir ao longo da minha vida. E então também é necessário encontrar uma certa coerência estilística em tudo o que fazemos. O EP vem com uma grande diversidade por isso: coisas mais ambientais e outras mais acústicas. Mas mesmo as que crescem mais, refletem muito o lado intimista, de andar perdido na própria busca. Foi assim que tudo começou.
E porquê Somersault?
Nestas coisas és obrigado a ter um nome. É o nome de um filme de que gosto muito. Mas Somersault tem várias traduções: pode ser uma cambalhota, um movimento artístico da ginástica. Esse lado da cambalhota, de uma certa ausência de gravidade, de não saberes onde está o chão ou o tecto também reflete a ideia de estar perdido nessa procura. Somersault é isso: quando saltas de uma prancha, aquilo é uma coisa que pode não correr muito bem. Não sabes se podes cair de costas e partir-te todo (risos). A música também tem esse lado atmosférico, como se estivesses a flutuar – também por ser calminho e ter poucas batidas.
Além de músico és jornalista. Não há a tentação de pôr palavras em Somersault?
Falamos muito disso e há algumas músicas que vão tendo, lá pelo meio alguns apontamentos: frases ou versos, mas coisas pensadas e propositadas que fazem sentido nesta cena mais ambiental. Gostava de pôr letras, mas quando o fizer num formato mais de canção. E gostava que as letras fossem em português: é a forma mais acessível e honesta de me exprimir.
“Somersault é isso: quando saltas de uma prancha, aquilo é uma coisa que pode não correr muito bem. Não sabes se podes cair de costas e partir-te todo (risos). A música também tem esse lado atmosférico, como se estivesses a flutuar – também por ser calminho e ter poucas batidas”
Isso não ia mudar o perfil do projeto?
Talvez. Nós não sentimos, propriamente, a obrigação da coerência estilística. Vai refletir sempre todas as nossas diferenças, ainda mais agora que as coisas vão surgindo na sala de ensaios e já não tanto só aqui no sofá.
Já vão saíndo novas ideias? Há ideias de expandir Somersault?
A nossa ideia agora é tocar o quanto possível: tentar fazer um mini-circuito com o projeto e levá-lo onde for possível. Mas acabamos por nos encontrar muitas vezes na sala e temos continuado a fazer música, até porque estas músicas foram gravadas há um ano, já são um bocadinho distantes. E o Filipe tem uma abordagem mais eletrónica à música, por isso as faixas cresceram muito para aí. A ideia é fazer um EP ou um disco, mas sempre à nossa dimensão e isto ainda está muito a começar!
Também tens investido em mais material? Já acompanhas o Filipe no lado mais eletrónico?
Comecei a usar uma coisa que já devia ter começado a usar há muito: os midis. Gostava muito de ter comprado aqueles minimoogs antigos, mas são muito caros. No último ano arranjei imensos sintetizadores virtuais e aquilo é um mundo novo para mim. Fiz logo uma série de experiências que começam a ser levadas para a nossa sala. A cena até está a perder esse lado mais intimista e contido – e isso é fixe! É poder ter um projeto deste para poder criar todas as contradições do mundo!
Entrevista: Bruno Martins