Cinema para todos os gostos para ver depois das férias. Rui Pedro Tendinha destaca os filmes que são imperdíveis desta nova temporada.
BlacKkKlansman: O Infiltrado
Spike Lee, com John David Washington e Adam Driver
(6 setembro)
O primeiro filme deste verão com chances reais para a temporada dos prémios. Depois do Grand Prix de Cannes, o novo “joint” de Spike Lee já venceu o prémio do público em Locarno e tem tido as melhores críticas dos últimos tempos (algumas delas bem exageradas; não esquecer que Chi-Raq, presente na Berlinale de 2016, foi estupidamente ignorado…).
O filme conta a história verdadeira de um polícia negro que se conseguiu infiltrar no seio do KKK em pleno auge desta organização racista.
Lee volta a filmar com uma ira considerável e faz um paralelismo da América racista dos anos 60 com o atual estado da nação (e aí os mimos a Trump são um pontificado de humor dilacerante).
Cold War
Pawel Pawlikowski, com Tomaz Kot e Joanna Kulig
(20 setembro)
Vencedor do prémio de melhor realização no Festival de Cannes, esta guerra fria sobre a Polónia e os seus traumas é um dos grandes títulos deste arranque de nova temporada. Uma história de amor entre uma cantora de província e um músico mais velho. Uma relação que atravessa diversos períodos e vai da Polónia até à Alemanha, passando pela Jugoslávia.
O cineasta de Amor de Verão filma cada vez melhor num preto e branco arrepiante, descrevendo um conto passional que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a alma verdadeira de um país fustigado por acontecimentos históricos madrastos.
Para ficar apaixonado por Cold War ajuda ter coração romântico…
Mandy
George Panos Cosmatos, com Nicolas Cage e Andrea Riseborough
(27 setembro)
Qualquer filme de terror que por estes dias tenha Nic Cage no poster faz-nos pensar em série B do piorio. Não é o caso; este é o tal filme que triunfou em Sundance e Cannes e que pode ser o ponto de partida para a ressurreição da carreira de Cage.
Tudo se passa nos anos 80, quando um lenhador pacífico vê a sua mulher ser morta de forma bárbara por uma seita de fanáticos de Satã. Resta-lhe proceder a uma operação de vingança extrema num cenário montanhoso recôndito da América perdida.
Com uma insanidade refrescante, Mandy sabe ser realmente “creepy” sem deixar de encenar tempos e situações de cinema capazes de homenagear o melhor do cinema “cult trash”. Nasceu um autor: George Panos Cosmatos!
A Balada de Adam Henry
Richard Eyre, com Emma Thompson e Stanley Tucci
(20 setembro)
Depois de Na Praia de Chesil, mais Ian McEwan no grande ecrã, desta vez ele próprio a adaptar o seu livro The Children Act, em que examina o comportamento de uma juíza de meia-idade (Emma Thompson) à beira do divórcio e a contas com uma fase de excesso de trabalho e um caso que lhe tira o sono: um jovem de 17 anos Testemunha de Jeová pode morrer se não lhe for administrada uma transfusão de sangue que os seus pais não autorizam. Cabe à juíza a decisão de respeitar a fé dos pais ou salvar a vida do rapaz.
Sem psicologias baratas, A Balada de Adam Henry é cinema ligeiramente aburguesado, mas com uma finura nos diálogos tão rara nestes dias. Será com certeza um sucesso de estima.
O Espetador Espantado
Edgar Pêra (documentário/experimental)
(13 setembro)
Muitas perguntas se atiram ao ar nesta investigação de Edgar Pêra sobre o ato de ver um filme. O cineasta de O Barão ensaia com procedimentos de tese um diálogo entre a imagem projetada e o nosso lugar enquanto espetador. Fá-lo com humor, com bizarria cândida e sem medo de usar e abusar da sua marca estética muito própria. Um delírio capaz de nos fazer pensar, mas, mais do que isso, vibrar.
Custa a crer que tenha passado tanto tempo para finalmente haver distribuição para mais um projeto sem medo dos riscos de um cineasta que sabe que só tem um remédio: continuar a investigar…
Mariphasa
Sandro Aguilar, com Albano Jerónimo e Isabel Abreu
(13 setembro)
Nesta temporada pronta a eliminar a silly season anterior, atafulham-se estreias nacionais, mas era bom não deixar passar ao lado o novo filme de Sandro Aguilar, mais conhecido por muitos por ser um campeão das curtas-metragens. Desta vez, leva-nos para um jogo lúdico numa Lisboa escura, onde depois de um funeral vamos percebendo algumas pontas soltas: um viúvo que se encontra com a amante, um vizinho com tendências violentas e um mal-estar gradual.
Festim de negritude que é uma experiência de desestabilização para quem o vê, Mariphasa manda às urtigas as regras narrativas vigentes. É um filme assombrado por uma liberdade que nos reconforta. Talvez o objeto mais exigente desta rentrée.
Beautiful Boy
Felix Van Groeningen, com Timothée Chalamet e Steve Carell
(18 outubro)
Numa altura em que ainda ninguém viu esta estreia em Hollywood de um cineasta belga semiconsagrado na Europa, arrisco-me a dizer que está aqui uma das possíveis sensações da temporada, para confirmar no Festival de Toronto, já em setembro. O trailer tem provocado uma onda de entusiasmo, e já está tudo a salivar para ver o regresso aos ecrãs do rapaz-revelação de Chama-me pelo Teu Nome, Timothée Chalamet, aqui um jovem que tenta encontrar um rumo na sua vida depois de uma experiência muito intensa com drogas.
A toxicodependência como tema de um filme que se centra nos laços de paternidade.
O Primeiro Homem na Lua
Damien Chazelle, com Ryan Gosling e Claire Foy
(11 outubro)
A obra que vai abrir o Festival de Veneza é já um dos mais esperados do ano. A crónica da chegada à Lua de Neil Armstrong e todo o clima que esta missão espacial da NASA em 1969 provocou na vida familiar deste homem, em particular os efeitos que teve na sua mulher.
Não se sabe se o realizador de La La Land quer evocar de forma pop um período de sonho de uma América dourada ou se prefere antes ir para o épico, tal qual Philip Kaufman fez em Os Eleitos, relato solene sobre o orgulho americano na conquista espacial.
Com uma máquina pré-Óscares já a funcionar, First Man coloca desde logo na corrida Ryan Gosling, um dos grandes atores americanos da sua geração.
Lazzaro Felice
Alba Rohrwacher, com Alice Rohrwacher e Sergi Lopez
(4 outubro)
O passado e o presente. A Itália campestre e a Itália urbana, já berlusconizada. Pelo meio, há um menino que atravessa os tempos. Ele é um pastor que cai de uma montanha, não morre e fica santo. O novo filme da realizadora de O País das Maravilhas não tem a mesma carga de milagre, mas continua a tecer reflexões encantadas sobre o lado místico e puro da Itália.
Lazzaro Felice é de uma delicadeza feminina transbordante, uma ode poética cheia de contrastes, capaz de movimentos de câmara que parecem orgânicos. Trata-se de “folk cinema”, desencantado e maluco. Custa a entrar, mas quando se entra já não se quer sair mais.
Alba Rohrwacher está a fazer um cinema só dela, e isso é muito bom. Descubram-no com carinho e ternura…
Joaquim
Marcelo Gomes, com Nuno Lopes e Júlio Machado
(6 setembro)
Júlio Machado é Tiradentes, herói morto do começo da fundação do Brasil. Esta co-produção luso-brasileira é um olhar sem hagiografia sobre um decapitado, um revolucionário que se fartou dos abusos da colonização bárbara portuguesa e pegou nas armas. Longe de querer fazer cinema histórico, Marcelo Gomes quer captar um pedaço de identidade brasileira.
Obviamente, torna-se talvez desconfortável para o público português ver uma obra que escancara os horrores de uma colonização que assentou na escravidão e numa cultura do abuso e da mentira. Um filme, por isso, necessário.
Joaquim pode não ser o melhor trabalho de Marcelo Gomes, mas confirma-o como um dos cineastas brasileiros mais íntegros e fiéis a uma certa respiração artística das imagens…