Depois de Nico, 1988, há mais filmes a retratar talentos da música. De Elton John a Lady Gaga, passando por Freddie Mercury, não vai faltar pop rock no grande ecrã. Rui Pedro Tendinha revela uma “trend” do cinema internacional.
A música moderna e o cinema com espaço no circuito comercial vivem dias de namoro feliz. Terá sido o aval de Terrence Malick em Música a Música, com Michael Fassbender e Ryan Gosling, ensaio incompleto sobre a cena musical em Austin? O filme não foi propriamente um ai-jesus nas bilheteiras, mas terá cavado uma tendência temática, talvez reforçada com a crescente proliferação de filmes documentais com perfil biográfico (por exemplo, Whitney Houston e a sua vivência de abuso e vício originaram dois filmes quase seguidos).
Pois bem, este ano, não há muito tempo, chegava ao cinema Nico, 1988, magnífico filme “sob influência” da italiana Susanna Niccharielli, vindo do Festival de Veneza com aclamação e algum bruaá da Festa do Cinema Italiano (certame que contou com a presença de Madonna numa sessão mais ou menos privada deste filme). Tratava-se de um objeto que não corresponde à fórmula do biopic, assumindo antes um olhar de desencanto sobre Nico, uma artista “underground” que lutou sempre contra os automatismos da associação fácil ao período Velvet Undergound e também contra uma vida de drogas e não necessariamente muito sexo. Era um filme com um ritmo próprio e marcado por uma Trine Dyrholm (atriz sueca que venceu o Urso de Ouro de melhor interpretação com A Comuna) que em vez de imitar a cantora alemã preferiu antes algo mais próximo da “performance”. Nesse sentido, era um filme “possuído”, uma experiência fantasmagórica que transcrevia os últimos dias de Christa (o seu verdadeiro nome), em especial momentos da última digressão.
Nico, 1988 é um exemplo feliz de como uma lenda da música alternativa pode e pôde dar bom cinema.
Mas, em Hollywood, avizinham-se tentativas de rentabilizar este momento. Já em novembro, chega aos ecrãs Bohemian Rhapsody, de Bryan Singer, realizador de Os Suspeitos do Costume, mas também dos piores X-Men, “biopic” sobre Freddie Mercury e a história de sucesso dos Queen. Desde 2017 que se tornou um dos mais aguardados filmes do ano, embora a sua trajetória não seja propriamente um conto de fadas. A 20th Century Fox perdeu a dada altura a sua estrela — Sacha Baron Coen acabou por desistir de ser o líder da banda e foi substituído por Rami Malek, por estes dias em destaque em Papillon, ao lado de Charlie Hunnam. Uma substituição que se tornou num golpe de sorte. Pelas primeiras imagens, há um consenso: o ator de Mr. Robot é um Mercury perfeito. Mas, face às acusações de assédio sexual, a Fox teve outra decisão complicada: afastar Singer do projeto, mesmo com as filmagens já muito adiantadas. Dexter Fletcher, cineasta e ator britânico, foi chamado à última hora, embora Singer tenha ido para os tribunais e vencido a batalha. Bohemian Rhapsody vai ter o seu nome no genérico.
Para o ano, tempo para vermos Rocketman, o “biopic” de Elton John, precisamente realizado por Dexter Fletcher, o tal substituto. Desta vez, Fletcher pega de raíz num projeto-encomenda que se centra na relação profissional entre Elton e Bernie Taupin, o autor das letras das suas canções, inclusive de “Rocket Man”, a canção que dá título ao filme.
Do filme propriamente dito, sabe-se muito pouco e não há ainda excertos ou trailer, mas presume-se que seja uma homenagem ao cantor inglês, desta feita interpretado por Taron Egerton, mais conhecido como “action man” de filmes como o novo Robin dos Bosques ou Kingsman. Rezemos para o filme de Fletcher ter um décimo do gozo “flamboyant” que percorre a aura de Elton.
Mas, antes disso, em outubro, vamos ver nova versão de A Star Is Born. Chama-se Assim Nasce Uma Estrela e é a primeira realização de Bradley Cooper. A estrela de American Sniper realiza e interpreta uma nova versão do clássico dos anos 30, que, mais tarde, nos anos 50 e 70, teve outras versões. É a história de uma estrela da música country em declínio que se torna mentor de uma jovem cantora que tenta vingar e cedo se torna uma sensação. A cantora é nada mais nada menos do que Lady Gaga. Uma história de amor sobre relações de poder.
Assim Nasce Uma Estrela chegou a estar para ser realizado por Clint Eastwood, que desistiu do projeto quando Beyoncé não chegou a acordo com a Warner, falando-se também em Leonardo DiCaprio e Tom Cruise como protagonistas. A primeira decisão de Cooper foi renegar o playback, apostando no som direto das canções em pleno plateau. Sean Penn já viu o filme e exclamou obra-prima. Cooper cantor poderia ser uma anedota, mas, segundo consta em Hollywood, é uma das apostas fortes para a temporada dos prémios.
Por fim, no circuito dos festivais da rentrée, vamos ainda pôr os olhos em cima de Teen Spirit, de Max Minghella, com Elle Fanning, atriz que ainda há bem pouco tempo tinha sido visto a cantar punk rock em Como Falar com Raparigas em Festas, de John Cameron Mitchell. Mais um filme sobre concursos musicais e sobre o nascimento de talentos no palco. Fanning volta a cantar no cinema.
Por fim, referência ainda para Joan Jett, estrela de rock americana que vai ver a sua vida alvo de um documentário. Bad Reputation estreia-se em finais de setembro no mercado americano. Filme de Kevin Kerslake que talvez seja um dos trunfos do Porto/Post/Doc. Talvez…
Em 2018 e 2019, não vão faltar filmes com música no coração.