Prince foi a maior estrela pop do mundo, sem contar, talvez, com Michael Jackson. Existem apenas momentos fugazes que nos lembram que Prince Rogers Nelson foi um dos poucos artistas que conseguiu ombrear com a luz mística de nomes icónicos da musica negra como Sly and The Family Stone, Funkadelic , Stevie Wonder, James Brown ou Marvin Gaye. Prince foi, talvez, a única figura após a morte de Michael Jackson a ter esse estatuto, tal como Jackson o tinha conseguido após a edição de Thriller e principalmente de Bad.
Como Jimi Hendrix, Prince parecia ter vindo de um outro planeta, um outro universo paralelo, onde a ideia de amor livre talvez pudesse viver para sempre. A icónica pose provocadora de “pavão” usada pelo artista, anunciava ao mesmo tempo um tipo de volúpia andrógena inspirada na figura do mítico Rick James, e essa foi uma das suas marcas na década de oitenta, retratando uma sexualidade que o desviou das normas machistas. Rodeou-se de uma geração de “mentes abertas” e descomplexadas. A imagem de sua banda de apoio – caleidoscópica – os The Revolution, era quase tão forte como a sua. Transcendeu os limites de género e raça, especialmente por se apresentar sem filtros, tal como era, a uma audiência mainstream na MTV. Ainda mais precioso era o controle criativo que sempre exigiu quando assinou pela Warner Bros em 1978, num contrato, à época, sem precedentes para qualquer artista negro desde Stevie Wonder.
As primeiras demos em nome próprio foram gravadas em 1976, já depois de projectos-banda como Grand Central e Champagne. Com a ajuda de Chris Moon, começou a absorver as técnicas de como operar num estúdio de gravação profissional e, principalmente, a dar corpo à sua liberdade criativa.
Para a história, mais tarde, e na sua ascensão ao Olimpo da cultura Pop, ficaram registos como “Let´s Go Crazy”, a abertura do álbum e do filme Purple Rain, em 1984, cujo tema título, em forma de canção, foi considerada por muitos, a mais importante e influente dos anos oitenta. Uma espécie de hino de estádio ao estilo de um qualquer manual formal de Rock and Roll clássico, funcionando também simbolicamente como o “Stairway To Heaven” da década de oitenta. “When the Doves Cry” foi, igualmente, o single mais vendido nesse ano. ”Kiss” em 1986 – incluído em Parade, o ultimo disco gravado com os The Revolution, e que lhe valeu um Grammy – foi o primeiro dos seus hits de cariz minimalista, que teve em Sign O´The Times o seu maior expoente, revelando as possibilidades ilimitadas da experimentação sonora e do génio do artista.
Mesmo no auge de seus poderes, e após o sucesso de outras canções eternas como “Raspberry Beret”, “Alphabet St.”, “Cream”, ”Diamonds and Pearls” ou “The Most beautiful Girl in The World”, Prince era extremamente reservado, recusando entrevistas em favor de longas estadias no seu santuário privado em Minneapolis – Paisley Park, o nome dos seus estúdios de gravação, onde viria a morrer.
A determinada altura, ainda na primeira metade dos anos noventa, Prince renegou o seu nome em favor do famoso “símbolo”, algo mais facilmente transcrito como TAFKAP – “o artista anteriormente conhecido como Prince”. Isto era apenas um dado precursor para a guerra, e para o forte atrito que o acompanhou na “acidificação” da sua relação com a editora. Exigia um contrato renovado noutros termos, sentindo-se metaforicamente “algemado” – mais tarde assumiu mesmo o termo “escravizado” – pelas regras da indústria que, neste caso, não cedeu, continuando a Warner a exigir um disco seu por cada ano do contrato ainda em vigor.
Prince foi lançando uma sucessão registros e compilações sem brilho para apaziguar a Warner Brothers. Finalmente em 1996, acalmou esta “guerra” para criar a sua própria editora, estreada com um “monumento” musical incompreendido de três discos (e três horas) de titulo Emancipation.
Com liberdade, Prince foi sempre capaz de ceder aos mais estranhos caprichos, rodeado por acólitos fieis na sua “fortaleza” de Minneapolis. Foi um dos primeiros artistas a tirar partido da internet para formar uma relação direta com o público, embora usasse o NPG Music Club para lançamentos de interesse quase limitado à sua base de fãs mais próxima. Nesse mesmo ano, a sua mulher, Mayte Garcia-Nelson, deu à luz um filho que, infelizmente, viria a morrer dias depois com Síndrome de Pfeiffer, o que viria a condicionar a sua criação artística na década seguinte.
Pete Townshend dos The Who, comparou-o, em termos de composição, ao génio classicista de Chopin. Miles Davis a uma mistura entre James Brown, Marvin Gaye e Charlie Chaplin. Ahmir “Questlove” Thompson,o baterista dos “Roots”, afirmou que Prince era o mais audacioso cantor negro da era pós moderna, com uma voz que incarnava uma multiplicidade de personagens, e uma paleta vocal quase ilimitada, contendo ao mesmo tempo um lado andrógeno, feminino/masculino, religioso e de Rocker/Funk, com variadas texturas e presente em várias dimensões. Na verdade, o que sabemos é que Prince Rogers Nelson, muito além do ícone pop dos anos 80 (como Jackson, Madonna e Springsteen ), foi certamente o maior “homem-banda” na história da música popular. Influente produtor e arranjador, artista completo e contemporâneo, foi uma enciclopédia ambulante de cultura pop, com códigos próprios e muito singulares. Quando a sua obra era considerada sofrível ou má, na verdade, ele era muito melhor do que a maioria dos seus pares quando eram bons.
No seu legado de quarenta anos de carreira, poucos conseguiram como Prince transcender e cruzar as fronteiras de quase todos os géneros musicais de maneira tão natural e graciosa.
No seu percurso existiu sempre uma faceta obsessiva e sexual, uma tensão ameaçadora entre o erótico e o espiritual, que fizeram com que a sua ideia de Deus não fosse a de um qualquer pregador. Deus era salvação, e essa epifania surge através do sexo, da musica, da dança, do amor e da fé.
Por tudo isto, Prince Rogers Nelson será sempre um tesouro universal.
Pedro Costa