Rui Pedro Tendinha lança um olhar pelos principais sites de cinema em Portugal, com discurso direto dos seus responsáveis. Entre um serviço público cinéfilo e um discurso de posição crítica, os sites de cinema são cada vez menos um negócio e mais uma alternativa à imprensa tradicional. Do cinema de autor ao blockbuster, há especialistas para tudo.
A imprensa escrita tem cada vez menos crítica de cinema e talvez sejam os blogues e sites de cinema os locais onde melhor se discute a cinefilia em Portugal. Mas será que tem havido uma evolução? Será que é na net que os portugueses escolhem o que veem? Entre o amadorismo mais inocente e o espírito de missão de partilha, hoje, mais do que nunca, há uma diversidade nas propostas. Acima de tudo, é nestes sites que os cinéfilos podem descobrir as novidades e, em alguns casos, jogar com as suas redes sociais na tertúlia do “fandom”, especialmente quando surgem pesos-pesados como Vingadores ou Liga da Justiça.
Obviamente, há fações: sites da ala dura do cinema de autor, outros mais direcionados para a descoberta e, em certos casos, com um olhar mais próximo das convulsões de Hollywood. Em geral, são feitos por quem ama o cinema, entre amantes anónimos da sétima arte, programadores e jornalistas. Nesta viagem por alguns dos títulos mais sonantes, percebe-se que há um trabalho consistente e sério, mesmo que, por vezes, exista uma tendência para “traduzir” os escaparates de sites como Indiewire ou The Wrap…
Cinema7arte
Novidades em cima da hora, críticas e acompanhamento dos festivais. Este site, feito por uma equipa jovem, tenta apostar no ecletismo dos novos tempos. De alguma forma, sente-se que os críticos privilegiam escrever em primeira mão sobre filmes inéditos.
Para Hugo Gomes, que dá a cara pelo site, um dos pratos fortes desta oferta é a crítica: “aqui tentamos solidificar outras correntes de pensamento e novas formas de ver e pensar sobre cinema”.
O crítico — que também escreve para o Sapo — vê vantagens em haver concorrência: “nem sempre deve ser encarada com uma conotação negativa, por vezes, é a “concorrência saudável” que torna os sites ainda mais ricos, interessantes e exigentes, quer no texto, no pensamento crítico ou na elaboração de notícias. Antes de trabalhar no Cinema 7ª Arte, estive sete anos ao serviço do C7nema onde aprendi muito sobre investigação jornalística nesta área, a qual continua ainda renegada, principalmente na imprensa “legítima”, maioritariamente dependente de press releases ou da promoção”. E esse é um dos flagelos no qual alguns sites caem.
Com acesso aos denominados “screeners” enviados pela Online Film Critics Society, o Cinema7arte é, muitas vezes, o primeiro a criticar alguns dos filmes da temporada dos prémios. Se tem muita publicidade? Olhamos para o site e nada vemos. Hugo acredita que os investidores deveriam estar mais atentos aos sites portugueses, porém com uma ressalva: “era importante que a eventual publicidade, a entrar, não fosse interveniente para com os próprios conteúdos do site e em particular com a escrita possivelmente criativa na secção de críticas”.
Metropolis
Um site para dar conta de tudo o que não cabe na revista digital com o mesmo nome. Em tempos de pandemia e de quebra de receitas das distribuidoras, a Metropolis tem funcionado como site de cinema a sério. Dá notícias, críticas e tenta, sobretudo, fazer um stand-by enquanto a revista não volta em força. Apesar de na revista estarem alguns dos nomes mais consagrados da crítica portuguesa, na versão site tenta-se dar conta do recado com menos críticas e uma aposta maior nas novidades. Convém sempre lembrar que a Metropolis nasceu de uma equipa da revista Premiere, na qual pontificavam nomes como João Lopes ou Tiago Alves.
À frente deste projeto está Jorge Pinto, um crítico que chegou a dirigir a Premiere. Segundo ele, é importante estar distante das polémicas, daí que este site não relate questões controversas de apoios do ICA ou outros protestos da nossa classe de cineastas: “em vinte anos que escrevo sobre cinema e televisão, procurei nunca abordar essas questões. Somos um país muito pequeno: uma afirmação fora do sítio cria problemas para o resto da vida. Isso já aconteceu com vários colegas pelos quais tenho imensa estima. Há sempre alguém que sai beneficiado ou prejudicado… Creio que é importante a transparência do processo. O melhor mesmo é produzir obras sem a muleta dos apoios públicos e encontrar novas formas de chegar aos espectadores… É importante evitar produzir filmes que apenas cheguem para algumas centenas de espectadores”.
Com um design atraente, este site é dos poucos que assume uma relação com o mundo dos jogos. Segundo Jorge, a perda da cultura cinéfila é um problema para os sites: “um problema também dos distribuidores. A massificação cria uma dependência de fórmulas pré-concebidas que podem levar à perda da apetência da descoberta e das novas pistas cinematográficas. E aí o papel das publicações digitais é importantíssimo”.
A Metropolis, além do cinema, tenta estar atenta às novas séries. Mais do que nunca, percebeu-se que há uma faixa de público que prefere seguir séries a acompanhar as novidades do cinema, seja nas salas ou nas plataformas. “Sem sites como o nosso, muitos lançamentos acabam por se perder sem deixar rasto”, acredita Jorge. E é nas redes sociais que a Metropolis acredita que também pode espalhar a sua palavra. A sombra de Fritz Lang ainda dura até 2021…
MHD-Magazine.HD
Um dos poucos sites de cinema entre nós com publicidade (da NOS Audiovisuais à HBO Portugal) e um conceito de equipa profissional. Afinal de contas, é como se fosse uma revista. Neste caso, a Magazine HD, revista que chegou a estar nas bancas, é a continuação de um projeto da TMHD – MEDIA CONTENTS, LDA, editora independente. Segundo os dados apresentados pelo diretor Rui Ribeiro, trata-se de um site em evolução, com cerca de 10 000 visitas diárias e 1 milhão de pageviews mensais em Portugal, mas também no Brasil e em comunidades portuguesas.
Para Rui Ribeiro, o alvo é importante: “é necessário saber a quem nos pretendemos dirigir, conquistar e construir o nosso “target”. Receio, contudo, que se esteja a agravar o fosso entre os “targets” mais indie (incluindo cinema de autor) e o “target” mais blockbuster, em especial no universo dos super-heróis. A MHD tem tentado cobrir os diferentes segmentos, incluindo o do cinema português, anime, oriental, e até o das curtas e documental. Nada fácil contudo…”.
Numa altura em que os sites têm de dispor de uma capacidade de análise versátil, a MHD tem uma política editorial que tenta preservar a diversidade. Hoje em dia, é a morte do artista não compreender fenómenos como o de Lav Diaz mas, ao mesmo tempo, saber digerir as diferenças no próprio universo Marvel, entre WandaVision e O Falcão e o Soldado do Inverno…
Mesmo com alguma publicidade, na MHD acredita-se que o mercado publicitário poderia apostar mais nos sites de cinema: “poderiam mesmo, embora a MHD tenha conseguido alguma atenção nesta matéria, é uma luta injusta e desproporcionada em face do crescente valor comunicacional dos bons websites”.
Quanto à concorrência, Rui é direto: “a concorrência que mais estimamos (e diria mesmo que por vezes invejamos) é aquela mais especializada, até para perceber se e como tais projetos têm viabilidade. Mas dum modo geral não temos tido sinais animadores nessa matéria. Num outro plano, procuramos perceber na concorrência até que ponto o mercado brasileiro é compatível com o nosso. Algo que poderia alargar horizontes e melhorar a sustentabilidade dos projetos, mas os sinais são menos animadores ainda nesse âmbito”. Sem dúvida, em Portugal não há nenhum caso de sucesso comercial como o do Omelete, que vai do cinema comercial ao de autor com uma fluência estimulante.
C7nema
O mais antigo dos sites de cinema. Foi um dos pioneiros nesta área, estávamos em 2002 e foi fundado por três amigos. Hoje mantém-se um deles, Jorge Pereira, cinéfilo que não vive deste site nem do cinema. É um site que todos os dias, seja domingo, seja feriado, apresenta novo material. Uma fonte de notícias que aposta sobretudo em críticas fresquinhas e num exaustivo acompanhamento de festivais. “Sempre procurou falar com particular atenção do cinema menos comercial, seja de autor ou independente, cativando simultaneamente o público mais habituado ao mainstream. No fundo era falar de todo o cinema, tentando levar as pessoas a chegarem por um motivo (o cinema mais comercial) e saírem com novas filmografias e cineastas para descobrir. A partir dos anos 2000, o próprio cinema independente (o vulgo indie) tornou-se comercial e passamos a orientar as nossas “descobertas” para os festivais de cinema, onde surgem obras com uma linguagem mais afastada do cinema/streaming para massas onde (quase) tudo é igual. Eles são o nosso foco atualmente”, conta Jorge Pereira. Na verdade, só este ano o C7nema (lê-se cê-sete-nema) deu-nos relatórios diários do South by Southwest, do Festival de Roterdão e da Berlinale. Não é brincadeira.
Nesta altura, um dos seus críticos é Rodrigo Fonseca, nome conhecido no Brasil, mas Jorge não distingue essa questão de haver melhores ou piores críticos no online: “Os críticos dos jornais, rádio e TV estão também no online, por isso, essa questão hoje em dia já não tem tanto sentido. O que tem sentido é dizer que é no online que estão as críticas mais profundas, mais trabalhadas. pois nos jornais, rádio e TV as palavras são todas contadas. Mas há gente com qualidade — na sua enorme capacidade de síntese — fora do online, que é algo a que dou imenso valor”.
Nos próximos tempos a equipa do C7 está já a preparar toda a cobertura dos festivais nacionais, continuando a não deixar passar ao lado nenhum filme relevante no streaming.
Por fim, Jorge não tem certezas sobre se os sites estão ou não a ficar de lado das questões mais polémicas sobre subsídios e os protestos do cinema nacional: “o que vi foi a cultura ser esmagada pela pandemia. E sem razão (a não ser aquela de: se os outros fecham, vocês têm também de fechar). Com medo da extrema-direita ou da “direitazinha” (que corta sempre qualquer coisa) vejo muitos protestos que são não-protestos. Um exemplo: pôr uma moldura na imagem do Facebook e criar hashtags. Olhem para França e vejam como se protesta”.
filmSPOT
Quem nunca…? Quem nunca ficou perdido numa semana com nove ou dez estreias, ou com o cardápio da Netflix? Quem nunca se sentiu tentado a investigar o mapa de estreias da próxima temporada? No filmSPOT está lá tudo, aliás, está ainda algo que mais ninguém dá fora dos sites dos jornais e dos exibidores: os horários das salas.
Para além deste fator informativo, o filmSPOT vive muito de uma interação forte com os seus seguidores nas redes sociais, divulgando em cima do acontecimento resultado de bilheteiras, críticas em cima do acontecimento a filmes por estrear ou mesmo uma sintonia com as audiências das séries da ficção televisiva nacional.
“O filmSPOT pode descrever-se como um site utilitário. Fornece os dados das sessões de cinema, as datas de estreia de filmes e séries de televisão. Junta a isso a vontade de manter-se a par das novidades mais relevantes para os espectadores portugueses. Mas sobretudo tentamos organizar o caos informativo para que o leitor não se sinta perdido no meio de tanta série e tanto filme”, confirma António Quintas, homem que veio da direção de uma multinacional, a extinta Columbia & Warner.
Sobre a concorrência, é franco: “cada um faz o seu caminho e terá os seus objetivos. Existe um grupo de gente que gosta muito de cinema e se interessa. Esses enchem-se de esperança no futuro. O resto é… mais do mesmo. Seguem as modas, sem qualquer tipo de reflexão”.
Interessante para quem se regista no site é a possibilidade de receber na sua caixa de email newsletters com notícias e trailers em primeira mão. Nesse sentido, sente-se que esse desígnio da “primeira mão” é tratado com um notório profissionalismo.
“Nunca existiu uma boa cultura cinéfila. Continua a não existir, com a agravante de agora termos esta falta de diversidade na oferta com super-heróis, space-operas e mostrengos espalhados por toda a parte. Felizmente, existem algumas boas exceções. Mesmo no caso do filmSPOT, cheguei a um ponto em que senti a necessidade de corrigir um pouco o caminho e dar mais atenção ao cinema de autor, a filmes menos popularuchos. Porque este caminho do domínio dos super-heróis e do excesso de oferta no streaming não me cheira bem. Há algo aqui que é preciso contrariar e exercer algum pensamento crítico. Caso contrário, isto transforma-se numa chatice imensa”, deixa o recado António Quintas. O cinema independente tem aqui portas abertas…
CineAddiction
Sente-se que é um espaço de divulgação de cinema para os fãs, um site jovem (criado em 2012 em Oliveira de Azeméis) e aberto a diversas famílias do cinema. Sem financiamentos externos, mistura-se aqui o foco na televisão e no cinema. Michael Douglas, ele mesmo, o famoso ator, já enviou um vídeo de agradecimento onde mencionou o prémio CineAddiction que venceu. Dir-se-ia que a margem de crescimento ainda não estagnou.
Jorge Lestre, o mentor deste projeto, acredita que, infelizmente, em Portugal, quem consome os sites de cinema prefere antes conteúdos de popularidade ao invés de apreciação e aponta o problema: “graças aos serviços de streaming, a arte começou a ser vista como conteúdo para ser consumido. Não quer dizer que isto seja prejudicial, afinal de contas, a arte é subjetiva para todos. Mas, com base em respostas em comentários, nota-se uma intenção mais de passar o tempo…”. De alguma forma, sente-se que este vício em cinema tem também como missão formar um público.
Sobre a questão da publicidade, Jorge acredita que é uma questão complicada: “infelizmente não há como lucrar no meio online sem a publicidade. Devido à falta de verbas, apoios, patrocínios, entre outros, a publicidade acaba por, grão a grão, contribuir para que muitos projetos não encerrem. Não sou a favor dela, mas percebo a necessidade da mesma”. Seja como for, as distribuidoras ainda não quiseram ter aqui um peso.
Para já, este site quer crescer e Jorge está seguro que é fundamental ser reativo, sobretudo nas questões polémicas do cinema português: “tudo o que seja relativo ao apoio ao cinema e da televisão portuguesa, é imperativo que se continue a lutar. Por melhores condições e por oportunidades que escasseiam cada vez mais”.
À Pala de Walsh
Continua a ser ainda um dos sites de cinema mais comentado pela comunidade das blogosferas. Em Portugal, quem segue o cinema de autor, é impossível não ter ainda tropeçado neste site que reúne críticos conhecidos, programadores e académicos. À Pala de Walsh não tem medo de ser provocador, desalinhado e saudosista. Quem por ele navegar, também poderá sentir algum elitismo cinéfilo, coisa assumida pelos editores, Ricardo Vieira de Lisboa, Carlos Natálio, Luís Mendonça e João Araújo, amantes de cinema que sabem que escrever sobre cinema é coisa tão absurda como quem escreve sobre música e acaba por dançar na arquitetura, conforme deixam vincado no texto de entrada do site. Trailers, novidades do dia e números de bilheteiras são tudo menos sexy para eles.
Com nove anos de vida, À Pala de Walsh é feito sem intuitos de lucro, mas Carlos Natálio vai dizendo que tem sido uma tarefa intensa e bonita: “tudo nasceu do encontro de quatro pessoas que escreviam livremente sobre cinema nos seus blogues, neste caso, eu, o João Lameira, o Ricardo Vieira Lisboa e o Luís Mendonça. A ideia era, de certa forma, criar um espaço em falta, ou seja, onde se pudesse refletir sobre cinema, sem o constrangimento da limitação de caracteres, sem pressões da atualidade ou dos compromissos comerciais. Queríamos dar outra coisa aos cinéfilos mas sem essa cena da hierarquia dos filmes, enfim, queríamos escrever sobre cinema de forma competente e estimulante, sobre qualquer tipo de filme, seja uma comédia romântica vista no fim de semana num centro comercial, seja a sessão da noite da Cinemateca de um filme difícil de encontrar”.
Nesta pala há também primazia a dossiers, de Raoul Walsh a Godard, mas impossível deixar passar ao lado entrevistas que se tornam virais, nomeadamente uma conversa deliciosa de Duarte Mata com Paulo Branco. Carlos Natálio, que tem ainda tempo para ajudar a programar o IndieLisboa, diz que À Pala é um site “eclético e que tenta fazer da diversidade dos colaboradores um espaço que quer ser um ponto de partida para as reflexões serem sempre de um comprometimento de uma certa qualidade”. Esse é o ponto de honra destes textos, agrupados com um grafismo simples e de imenso bom gosto.
Dê por onde der, este é um site onde o carácter opinativo é uma forma de diálogo com o leitor: “o mais interessante na crítica de cinema é a possibilidade de o leitor criar empatia com aquilo que o crítico escreveu e ficar interessado por esse olhar. Acredito que essa empatia poderá levar a que o leitor depois possa ir querer ver o filme. Mas também sabemos que hoje um miúdo de 18 anos pode ter acesso a uma obra-prima antiga do cinema de forma muito mais fácil do que antes, embora a acessibilidade às obras não seja sinónimo de construção de uma cultura cinéfila, já para não falar que hoje é muito fomentado o consumo de bens culturais em série e em quantidade — coisas diferentes”, lembra Natálio.
Entre crónicas e textos em contracampo, o travelling deste site vai continuar a fazer um close-up a festivais nacionais. Cannes, Berlim e Veneza podem esperar…