Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
Neu! – Hero
Johnny Rotten, dos Sex Pistols, citava a canção como inspiração, e David Bowie trocou-lhe o singular pelo plural e inventou assim um título para a história, “Heroes”. Se o punk era expressar descontentamento com aquilo que o mundo musical e extra-musical tinha para oferecer, então os alemães Neu! eram punk. Se o punk era a procura da diferença num mundo de iguais, então os Neu! de Michael Rother, guitarrista, e Klaus Dinger, baterista, não podiam ser mais punk.
No primeiro álbum, homónimo, criaram música que procurava mais um transe violento que transcendência e que era mais provocação estética que conforto cósmico. Tinha o ritmo maquinal de Dinger (chamaram-lhe motorik e, hoje, está por todo o lado) a criar a base perfeita para Rother explorar mil sons extraídos da guitarra, manipulados em fita, extraídos de sintetizador. Nunca se ouvira nada assim. No segundo álbum, “Neu! 2”, extremaram a linguagem definida na estreia e, numa atitude que diríamos muito punk, não se retraíram quando a editora anunciou que o dinheiro acabara e que melhor seria pararem por ali. Pois bem, se lhes faltava um lado B, os Neu! inventaram-no com o que tinham à mão. Ou seja, pegaram no single “Neuschnee” e manipularam-no de diversas formas, em cassete e a várias velocidades, ora mais lento, ora acelerado, e vejam lá como se completa um álbum: “ponham-no então cá fora, senhores da editora”.
Os Neu! criavam por crença numa visão musical e por puro prazer exploratório. Criavam para quase ninguém, numa Alemanha e num tempo que parecia não os compreender. Em 1975, quando o terceiro álbum, “75”, foi editado, estiveram mais próximos que nunca de se sintonizar com o seu tempo. No lado A, Michael Rother e as experiências em música ambiental, de um intenso escapismo, que tanto o absorviam. No lado B, Klaus Dinger, o diletante, o nunca acomodado, o homem que não conseguia viver senão no limite, a trocar a bateria pela guitarra, a chegar-se ao microfone e a convocar dois bateristas.
Vemo-lo nos raros vídeos de época disponíveis, com a barba e o cabelo comprido cortados, com um esgar neurótico a condizer com aquela voz como gravilha expelida em golfadas: “And you’re just another hero riding through the night / riding through the city, trying to lose your mind”. O ano era 1975.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso