Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram. Revisitar desviando também o olhar para outras áreas do globo. Para sítios como Portugal?
New York Dolls – “Personality Crisis”
O glam foi invenção inglesa. Surgiu como reacção à insuflada e pretensiosa seriedade em que caíra o mundo rock e inventou um mundo de fantasia iluminado com purpurinas e alimentado pelo desejo de reinvenção da festa rock’n’roll de outros tempos. Libertava-se a sexualidade, sem restrições e prisões de género, enquanto se dançava ao ritmo das pandeiretas que, naquele início dos anos 1970, era hábito distribuir pelo público.
Os New York Dolls foram glam sem consciência da classificação. Estavam longe, em Nova Iorque, onde nasceram num caldo fértil de boémia artística, dealers, prostitutas, batidos da vida e loucos iluminados, e sentiam-se tão à vontade no bas-fond como em refinadas galerias de arte. A olhos pouco dados à diferença, eram chocantes pela androginia militante e pela pose provocadora. A ouvidos sintonizados nas ambições do prog-rock, nas longas jams do acid-rock ou nos singer-songwriters da colheita James Taylor / Cat Stevens, eram um retrocesso civilizacional: uns Rolling Stones de saltos altos, a fundirem-se com os Stooges e Chuck Berry ao volante de uma locomotiva desgovernada. Em Inglaterra, um jovem Morrissey apaixonava-se pela primeira vez por uma mulher, como contou na sua autobiografia, ao ver o baterista Jerry Nolan na capa do homónimo álbum de estreia da banda. Em Inglaterra, os futuros Sex Pistols, Clash, Damned e afins, sentiam algo novo, vibrante e inspirador a nascer.
“I’ve got a personality crisis”, cantava o vocalista David Johansen na primeira canção do álbum de estreia, editado em 1973 – a mudança estava a caminho. O segundo álbum, no ano seguinte, intitulava-se “Too Much Too Soon”. A banda desmembrou-se pouco depois, com Malcolm McLaren, futuro manager dos Sex Pistols, a dar o impulso decisivo – pô-los a tocar perante bandeiras soviéticas nos Estados Unidos da paranóia anti-comunista não terá sido boa ideia. Mas não foi demasiado, demasiado cedo. Foi o início, como a história não tardaria a provar. Sem crise de personalidade.
Ficha Técnica:
Textos – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso