Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
Peste e Sida – “Gingão”
Ponham os olhos no vídeo – está no YouTube. A banda instalada frente ao balcão e a banda saltitante enquanto, à sua frente, dispostos nas mesas, jovens punks abanam a carola – a expressão condiz com a época, os anos 1980 -, jovens punks muito sorridentes enquanto se agitam nas cadeiras em pogo sentado, enquanto atiram algumas coisas ao chão porque há que dar vida à confusão que a banda canta. A banda chamava-se Peste & Sida, jogo fonético arrojado, declaradamente punk e onde se manifestava claramente os tempos em que a banda nascera.
Saídos do bairro lisboeta de Alvalade, grande epicentro do punk português – ali nasceram também os Ku de Judas e os Censurados -, os Peste & Sida eram pessoal com a cabeça cheia de música, até por influência familiar, que os alimentara de bom rock e de bom jazz, e eram pessoal muito atento ao seu tempo. O punk já despontara há quase uma década em Inglaterra, mas a atitude não tem tempo e o punk, afinal, ontem como hoje, ainda não morrera. Os Peste & Sida agarraram-no com ambas as mãos porque o ouviam em casa, nos discos trazidos de Londres, porque o ouviam nos programas de António Sérgio, porque o viviam no Rock Rendez Vous, e fizeram o que o punk pedia: olhar em volta e retratar, sem subtilezas, directo ao assunto, aquilo que viam.
João Pedro Almendra, vocalista, João San Payo, baixista, Luís Varatojo e Orlando Cohen, guitarristas, e Eduardo Raposo, baterista – formação inicial que sofreria bastantes alterações ao longo dos anos. Tocavam com a aceleração niilista dos Sex Pistols, apontavam o dedo como os Clash, faziam desvios ska como os Specials. Mas, e era essa a sua grande virtude e a razão pela qual tantos os sentiam tão próximos, cantavam a realidade que conhecíamos tão bem, as ruas, os bares, as casas, as pessoas que habitavam as terras deste país que era o deles. Atiravam-se à moral religiosa e denunciavam a formatação imposta pelo sistema educativo. Cantavam contra a prisão que era o serviço militar obrigatório e falavam sem pudor de epidemia que era naqueles tempos a heroína, porque o pudor era desnecessário quando a realidade estava tão escancarada perante todos.
Ao mesmo tempo, celebravam a vida, sem paninhos quentes e sem quaisquer preocupações com regras de etiqueta burguesinhas, tão atinadinhas. Vamos então até ao sol da Caparica, que está calor, venha daí a carraspana que a noite ainda é uma criança. Cantemos esta coisa de estarmos vivos, aqui e agora. Cantemos enquanto é tempo.
No vídeo de que falámos a início, os Peste & Sida tocavam num dos seus poisos, o velho Gingão, no velho Bairro Alto, bar onde punks e metaleiros conviviam com o pessoal do bairro e com as benditas figuras do basfond local. A música que cantam no vídeo tem como título o nome desse bar. Foi editada em Veneno, o primeiro registo da banda, editado em 1987. É uma banda a fazer da sua vida a sua música. Coisa poderosa. Ainda poderosa.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso