Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
Suicide – “Ghost Rider”
A tensão era palpável. A tensão era sempre palpável. Cá à frente, o homem que cantava em murmúrio, pervertendo com prazer evidente, misterioso, os “babys”, os “I love you” e outras expressões cliché do rock’n’roll. Fazia-o, e quem lá esteve ainda se lembra, enquanto agitava uma corrente de motorizada perante o pasmo, o fascínio, a irritação, cada um deles ou todos juntos, de quem assistia. Um pouco atrás, outro homem, vestido, tal como primeiro, como vagabundo boémio (ou seria um junkie dandy?). Esse tinha algumas máquinas ao alcance da mão: uma caixa de ritmo primitiva no lugar do baterista, sintetizadores para ocupar o lugar de tudo o resto.
Estávamos em meados dos anos 1970, um período em que os sindicatos de músicos ingleses e americanos, assustados com as novidades tecnológicas, tentavam impedir o uso de sintetizadores – “se toda a gente os utilizar, ficamos todos sem emprego”, alertavam. Para eles, aquela banda seria um pesadelo.
Mas não era só por isso, por porem em causa o que devia ser uma banda rock’n’roll e que instrumentos uma banda podia usar, que o público pasmava, se irritava, fascinava, à vez ou tudo junto, quando se via perante os Suicide em centros de arte ou de agora históricos clubes de Nova Iorque como o CBGBs e o Max Kansas City. Era pela atitude de confronto com que respondiam à perplexidade e ao desdém, era pela forma como Alan Vega cantava e se movia, ele que viu Iggy com os Stooges e saiu daquele caos maravilhoso e perturbador com a sensação de ter testemunhado a maior obra de arte da sua vida. Era por verem aquele Alan Vega a manipular teclas e botões para criar aquele som cru e rarefeito que embatia nos corpos antes de os envolver.
“Ghost rider” era o título da primeira canção do primeiro álbum, homónimo, editado em 1977, quando a banda já percorria o underground de Nova Iorque há sete anos. “Ghost rider” é, em som e imaginário, tudo o que representavam os Suicide, influência determinante para mil futuros: os do punk e do pós-punk, os do industrial e da electrónica, o de Nick Cave, dos Jesus & Mary Chain, dos Sonic Youth – para citar três entre sabemos lá quantos.
Os Suicide eram bluesmen da era electrónica, eram poetas beat da era espacial, eram uma luz cintilante e ameaçadora puxando-nos para o esgoto das misérias e perigosas delícias da condição humana na grande cidade.
“Hey baby, baby, baby, he’s a-looking so cute”, atrai-nos Alan Vega em tom de Elvis dos subterrâneos. Nem um agitar de anca a registar. A verdade dos Suicide é outra: “America, America, is killing its youth”, dispara Alan Vega. Nos cartazes dos primeiros concertos, em 1970, encontrávamos uma expressão curiosa. “Punk music”. Os Suicide sabiam muito bem o que faziam.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso