Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
The Stooges – “Search and Destroy”
Depois de dois álbuns, The Stooges e Fun House, que foram praticamente ignorados à época, mas que se tornariam um marco para gerações sucessivas, os Stooges desapareceram de cena. Sem contrato e sem dinheiro, vivendo numa correria descontrolada pelo fio da navalha que até Hunter S. Thompson consideraria algo excessiva, pareciam ter chegado ao fim da linha. Até que o sempre atento David Bowie os leva até Londres e se propõe produzir-lhes um novo álbum.
Saído das sessões de gravação, Iggy Pop entregou a David Bowie as respectivas fitas da gravação em 24 pistas. David Bowie contou: uma faixa para a banda completa, outra para voz, outra para guitarra solo. Três faixas ocupadas em 24. “Mas não há nada para produzir”, comentou Bowie para Iggy. Puxou-se pelo som da guitarra da James Williamson, acertou-se a voz de Iggy Pop e estava feito.
O álbum não se chama Raw Power por acaso. O carácter visceral desta música diabólica e intensa reside precisamente na sua extrema crueza. Sentimo-la nas guitarras distorcidas que parecem expelir faúlhas, na secção rítmica de primitiva sofisticação, na voz insinuante de Iggy Pop cuspida ao microfone. Estávamos em 1973 e em Inglaterra vivia-se a febre do glam-rock. Os Stooges, saídos das vielas e do submundo contra-cultural de Detroit, podiam brilhar como as estrelas glam inglesas, mas o brilho era de uma natureza completamente diferente. Não era de purpurinas ou lantejoulas, era do torso de Iggy, besuntado de manteiga de amendoim, óleo que se misturava com o sangue das feridas auto-infligidas nos concertos. Se era uma fantasia, como era o glam, parecia demasiado perigosa, demasiado real.
“Search and destroy”, incitavam os Stooges na canção que apresenta Raw Power. Famosas primeiras palavras: “I’m a street walking cheetah with a heart full of napalm / I’m a runaway son of the nuclear A-bomb”. Detonação rock’n’roll em larga escala – e dificilmente ouvimos outra que o fizesse usando duas imagens tão poderosas. Em 1977, Raw Power estava na colecção de todos os músicos de todas as bandas que fizeram a geração punk. “Search and destroy”. Os estilhaços chegaram muito longe.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso