“Neste novo álbum estamos mais relaxados, mais observadores da vida”
Da dificuldade em se dizer “Sérgio” nasceu o nome para uma banda. Os Serushiô – era assim que os amigos asiáticos de Sérgio Silva diziam o seu nome – têm um disco novo. Mais crescido, mais corpulento, com mais músicos a acompanhar Sérgio e Zé Vieira. Chama-se Groove Lee e nesta conversa, entre muitas outras coisas, Sérgio Silva, o fundador da banda, conta como nasceu o novo álbum e diz-nos que – ao contrário do que as mentes mais precipitadas possam pensar – tem pouco a ver com a arte do kung fu de Bruce Lee.
Os Serushiô tocam no sábado, dia 10 de junho, no Gatilho, em Amarante; e no dia 17 no Clube de Vila Real. E nesta edição do Oub’Lá estreamos o novo vídeo dos Serushiô: “Belief”.
Groove Lee é o nome do novo disco dos Serushiô. Como é que o álbum começou a ganhar corpo?
Este novo trabalho tem temas que já estão connosco há muito tempo. É o caso de “Can’t Take No More”, que é uma faixa que já nos acompanha penso que desde o início da carreira. Já era para ter saído no álbum anterior, mas não encaixava muito bem na sonoridade e havia outras coisas que queríamos fazer. Fomos juntando temas, a compor ao vivo, a testar as músicas logo com o público que nos ajuda a mostrar onde é que as canções estão e depois fomos juntando um conjunto de canções. Quando tivemos um bom grupo de faixas, levámos ao nosso produtor, o Zé Nando Pimenta, que nos percebe muito bem. Começámos a fazer os desenhos em conjunto, mas sem alterarmos muito: apenas demos um corpo maior à sonoridade, com a bateria completa – com o Fred [Ferreira] a tocar, eu ou o Zé Nando a tocar baixo… conforme a música fosse pedindo. Temos uma paleta muito maior.
O que é que mudou na sonoridade dos Serushiô para agora algumas canções já poderem caber?
O outro disco era mais assertivo. Falávamos de um modo mais direto ao público. Nem era questão de ser mais ou menos rock: era mais a atitude. Neste álbum penso que estamos mais relaxados, mais observadores da vida, a contar histórias daquilo que nos vai acontecendo, não só através da letra, mas também da sonoridade. É um disco que passa melhor nesse aspeto: é uma história, como se estivéssemos na rua a observar várias coisas do quotidiano. Depois vamos tendo vários, sabores, várias temperaturas… É um outro espetro de cores que se foi desenvolvendo.
Achas que até alguma sonoridade que se pode ouvir na forma como tocam, uma maior confiança na abordagem à música, cola-vos mais ao universo do blues e não tanto ao universo do rock.
É capaz. Agora que olho em retrospetiva… nós quando estamos a fazer o álbum não olhamos para esses títulos. Estamos preocupados é no que estamos a fazer no momento – e até já estamos a compor no nosso próximo disco! Gostamos muito de compor músicas e vamos aprendendo com elas. Acho que estamos sempre a descobrir-nos, estamos sempre num processo de crescimento artístico, e se calhar voltamos mais a casa, ao blues… talvez.
“Acho que estamos sempre a descobrir-nos, estamos sempre num processo de crescimento artístico, e se calhar voltamos mais a casa, ao blues… talvez”
Como é que foi passado este tempo de composição do Groove Lee? Também fazem construção de canções “on the road”?
Sim, muitas vezes no quarto de hotel. Lembro-me quando estivemos em França e Espanha, em digressão, tínhamos uma ideia e vínhamos para o quarto trabalhar com as guitarras, a gravar e a testar ao vivo! São quase produtos orgânicos que vamos descobrindo. E por vezes até as letras mudam! Quando chega àquele ponto em que começa a ficar estável… avançamos para a demo.
Como é que o público tem reagido a estas novas canções?
Tanto o público novo como o que nos acompanha está muito contente, porque gostavam da nossa música, mas ficavam a pensar: “e se agora tivesse uma bateria ou um baixo?” Essa dúvida agora está dissipada, porque metade do concerto continuamos a fazer em duo, mas depois a segunda metade fazemos em trio, sempre que possível com o Fred ou então com o nosso baterista de estúdio. É giro ver a banda a soar com mais um músico.
“Tanto o público novo como o que nos acompanha está muito contente, porque gostavam da nossa música, mas ficavam a pensar: “e se agora tivesse uma bateria ou um baixo?” Essa dúvida agora está dissipada”
Ficaram surpreendidos ou eram sons que já tinham na vossa cabeça quando interpretavam as primeiras canções?
Já o tínhamos na cabeça, sim. Lembro-me que o “Blues Man”, quando foi composto pelo Zé, tinha uma bateriazinha que depois não encaixou porque não conseguíamos tocá-la ao vivo. Foi muito importante estarmos os dois juntos durante um período longo para criar identidade, que agora já é forte e aguenta a entrada de outros músicos. Foi uma boa surpresa ver que foi tão fácil e que realmente conseguimos cumprir o que tínhamos em mente. Por vezes achamos que vai soar bem e depois não soa: neste caso não foi assim e correu bem!
Como é que surgiu este convite ao Fred Ferreira?
Foi através do produtor, o Zé Nando Pimenta. Quando lhe apresentei as demos, que ele gostou, disse logo que a partir daí quem mandava era ele – era carta branca para fazer tudo o que achasse bem. Confio no gosto dele. O Fred também gostou da música, mostrou-se disponível e correu super-bem!
E ao vivo? As canções ganham novas dinâmicas? Tornam-se mais improvisadas?
Nós isso já fazemos muito, mas a três é mais difícil, porque temos de estar bem coesos a tocar tudo. Mas sim, isso já aconteceu, logo a seguir a ouvirmos o álbum, automaticamente as músicas começaram a mudar ao vivo.
Queres contar-nos como nasceu esta banda? O vosso primeiro disco, I’m Not Lost… Just Don’t Want To Be Found é de 2014…
Sim e temos dois EPs anteriores. Os Serushiô começaram com uma brincadeira minha, enquanto cantautor, só com guitarra e voz. O nome era algo que já tinha em mente, que é Sérgio em japonês – tinha colegas que não conseguem dizer e dizem “Séushio” e achei graça. Acabou por colar! Posteriormente conheci o Zé, comecei a trabalhar com ele, a encaixar pessoalmente, com gostos musicais parecidos. E depois foi um processo natural que ainda decorre hoje! Sempre que podemos estar juntos para compor, é o que gostamos de fazer.
Moraste nos EUA durante uns tempos, não foi? Isso foi em que altura?
O projeto começou mais ou menos nessa altura. As pessoas que não conseguiam dizer o meu nome eram japoneses e coreanos que conheci quando estava nos EUA a tirar o curso de música, em Berklee, e a trabalhar. Quando estamos a estudar fora do país e estamos sozinhos, há a possibilidade de descobrirmos quem somos. Eu estava mais ligado à música instrumental, ao jazz, mas comecei a recordar o gosto pela canção. E comecei a compor canções. Não é algo muito comum na faculdade, mas comecei a trabalhar mais a interpretação – a ler mais, porque tinha tempo… a semente aparece nessa altura. Quando regresso a Portugal, começo a tocar ao vivo e a ganhar o tal corpo.
“Quando fui para os EUA, estava mais ligado à música instrumental, ao jazz, mas comecei a recordar o gosto pela canção. E comecei a compor canções”
Já voltaste aos EUA, entretanto?
Ainda não.
Estiveste onde?
Boston. Também ia a Nova Iorque, tinha um amigo do Kentucky… fui ao Canadá, também…
Seria uma boa aventura levar o Groove Lee até àquele lado do mundo.
É algo que estamos a apontar. Já foi falado, inclusivamente já houve algum interesse da parte de rádios universitárias em começar a passar a música. Quando houver oportunidade de o fazer com condições, iremos fazê-lo. Vai ser interessante.
Como é que se explica o título Groove Lee? Algum trocadilho com o Bruce Lee e com a cultura asiática do kung fu?
O Zé também trabalha em audiovisuais e às vezes pedem-lhe temas para usar como banda sonora. E houve uma vez que enviou uma música do Johnny Lee Hooker de que eu gostei muito, sobretudo do groove da música. Fui para o estúdio com o baixo e comecei a fazer músicas, só com frases de baixo, que tivessem aquele groove. No fim tive que gravar o projeto e chamei-lhe “Groove”… do Johnny Lee. Mas posteriormente, quando estávamos a fazer a capa, o artista que a fez mostrou-nos e reparámos que estava muito ao estilo do Bruce Lee. De facto, eu não fiz a associação ao Groove Lee, mas parece que há outros que a fazem!
Entrevista: Bruno Martins