“Espicaçamo-nos uns aos outros e isso torna-se numa competição saudável”
Nada é Por Acaso é o primeiro disco de longa-duração do coletivo GROGnation. Harold, Papillon, Prizko,Neck e Nasty Factor são hoje importantes figuras do panorama do hip hop nacional, depois de um par de EPs e mixtapes que serviram de aquecimento para este novo trabalho, com 16 temas, e que reflete o natural crescimento do grupo de Mem Martins, na Linha de Sintra. Seis anos depois, as palavras dos GROGnation têm hoje um outro peso e as histórias são mais universais. O grupo conta-nos agora as origens de Nada é por acaso, o processo de trabalho destas cinco cabeças pensantes e cuspidoras de rimas.
Depois de seis anos a editarem EPs e mixtapes, chega agora o primeiro longa-duração dos GROGnation. Foi um processo que demorou mais tempo até por serem cinco músicos, cinco pessoas a escrever e com gostos diferentes a criar uma mesma linha?
Nasty Factor — Nós sempre vivemos com isso. Neste caso não foi ter demorado mais tempo, mas antes uma questão de amadurecimento e de sentirmos que estava mesmo na altura de fazermos um álbum. Nós temos outros trabalhos a que não chamamos de “álbum”, mas que também têm uma longa-duração. Mas este é realmente o nosso primeiro álbum. Acho que só agora é que sentimos necessidade de o fazer.
E porquê?
Papillon — Foi sempre consensual que queríamos fazer as coisas mesmo como deve de ser. Quase que, sem termos de dizer nada uns aos outros, já sabíamos que não tínhamos ainda estaleca para fazer um álbum como aqueles que costumávamos consumir e que ainda gostamos. Começámos pelas mixtapes, que era o que se fazia mais na altura, com beats da internet, depois alguns originais e foi aí que passámos para os EPs. Esse processo foi necessário para, há cerca de dois anos, chegarmos ao consenso de avançar para o álbum.
“Ao longo dos anos vamos amadurecendo e vamos tendo novas histórias para contar. Se estivéssemos sempre a falar do que fizemos quando criança, ia tornar-se uma rotina” — Neck
Depois de duas mixtapes e dois EPs, aparece Nada é por acaso. Mas como é que se conjugam cinco formas de trabalhar, cinco formas de escrever, ao ponto de se fazer 16 canções?
Harold — Não há dificuldade, porque sempre trabalhámos assim. O que quisemos para este disco foi tentar misturar um bocado de tudo: músicas mais mexidas com outras mais calmas, com uma mensagem mais profunda. Daí também termos uma grande variedade de produtores que foi ajudar essa vibe e sonoridade. Foi um processo muito natural: pegámos nos beats que mais gostámos e que fomos discutindo com os produtores. Depois foi fazer as músicas sem estar a pensar em que é que vai ou não entrar e, à medida que as coisas vão surgindo — à medida que o bolo vai sendo feito — é que vamos sentido que as coisas estão a começar a ganhar a forma que queremos.
E qual era a forma que desejavam para este disco?
Neck — Fazer o nosso melhor disco.
Harold — A base era mesmo essa: que os anteriores trabalhos de estúdio fossem um aquecimento para chegar ao “dia de jogo” — que é o álbum — e estarmos na melhor forma. Sentimos que este período todo que passou não foi por acaso. Sentimos que conseguimos fazer a nossa melhor música, tendo, ao mesmo tempo, uma maturidade como artistas para fazer canções e coisas que consigam encher os ouvidos de quem vai ouvir, e, sobretudo, os nossos.
Como é que funciona o processo de escrita? Escrevem em conjunto ou trabalham sozinhos em casa e depois juntam-se para ver como é que as coisas funcionam?
Prizko — Cada um escreve o seu verso. Às vezes construímos refrões juntos, mas também não é regra. É tudo muito de vibes. Podemos estar no estúdio a fazer sons, começar e depois acabarmos em casa.
“Às vezes as pessoas têm que interpretar as músicas de várias maneiras, porque não somos óbvios. Em “Sem Avisar” pode parecer que estamos a falar de uma mulher, mas estamos a falar de dinheiro” — Neck
As rimas de uns acabam por inspirar as dos outros?
Prizko — Claro. E temos esse lado fixe, que faz com estejamos sempre a dar ainda mais: espicaçamo-nos uns aos outros e isso é bom porque queremos sempre o melhor de nós e torna-se uma competição saudável.
Como é que puxam uns pelos outros? A dizer que “ainda não está suficientemente bom”?
Prizko — Sim, por exemplo. Ou chegar com uma rima e o outro pensar: “estás com uma granda rima, então se calhar vou ter que reescrever a minha!”
Neck — É quase como se metêssemos essa pressão em nós próprios para desenvolver um melhor trabalho.
Harold — Eu comparo muito com o desporto. É como se estivéssemos no atletismo e o nosso colega, que treina connosco, corresse muito. Tu vais querer correr ainda mais, acompanhá-lo, estar ao mesmo nível que ele. Isso faz-nos evoluir. Se ele vem com um granda verso, tu vais atrás para fazer outro tão bom como o dele.
Neck, disseste que o objetivo deste Nada é por acaso era fazer o melhor trabalho dos GROGnation. Mas como é que avaliam o vosso crescimento enquanto rappers, enquanto MCs? Neste disco têm temas que refletem o tal amadurecimento, o vosso crescimento enquanto homens.
Neck — É como tudo na vida: ao longo dos anos vamos amadurecendo e vamos tendo novas histórias para contar. Se estivéssemos sempre a falar do que fizemos quando criança, ia tornar-se uma rotina. Quando uma vez dissemos que GROGnation é uma linha de pensamento com cinco cabeças a pensar, e todas elas pensam nos temas de uma forma diferente. Isso cria mais impacto musical, os temas ganham outra versatilidade, podem ser abordados de várias maneiras. Ao longo dos últimos seis anos temos feito isso: se as pessoas forem ouvir o Segunda Vaga (2012) ou este Nada é Por Acaso vão reparar na evolução da escrita. Até a nível musical: os beats do Nasty estão cada vez melhores!
Vocês trabalharam com muitos produtores para este disco. Que produtores são esses e que beats é que vocês estavam à procura?
Papillon — A escolha dos beats foi feita um bocado como nos projetos anteriores. Vamos falando com alguns produtores — o Harold é mais mexido nisso, fala com vários produtores que conhece. Às tantas consegue arranjar contactos, beats ou amostras de beats. É ele que faz de relações públicas e chega ao estúdio para mostrar. O Nasty também vai fazendo e mostrando na altura alguns que vai fazendo. Já tínhamos beats que foram usados para projetos anteriores, mas que ficaram para este álbum; houve outro pessoal que fomos encontrando no caminho, como por exemplo o DJ Ride que nos foi dando beats para trabalhar; o Holly, também, o Sam The Kid… Temos beats no Neo Beats., do Brasil; outro do Fabrice, de Viana do Castelo… é uma sonoridade muito fresh, muito contemporânea, que nos ajudou a experimentar novos sons. Mas tudo de forma homogénea, para não cansar as pessoas.
“Hoje em dia sentimos que, mesmo através da música, conseguimos pôr Mem Martins ali no mapa e contar as experiências de tudo o que se passa na nossa zona” — Harold
E nota-se a diversidade sonora. Tanto têm um tema mais trap, como têm o clássico boom bap; os lados mais doces, lentos e melosos que, naturalmente, levam o disco para um lado mais romântico.
Neck — Nós não fazemos as coisas tão óbvias como as pessoas pensam. Por exemplo, o tema “Voodoo” [ do EP Na Via], há quem diga que é um som de amor, mas eu não considero um som de amor a 100 por cento. Às vezes as pessoas têm que interpretar as músicas de várias maneiras, porque não somos óbvios. Em “Sem Avisar” pode parecer que estamos a falar de uma mulher, mas estamos a falar de dinheiro.
Harold, costumas ser muito específico nos “pedidos” que fazes aos produtores?
Harold — Eu conheço alguns produtores que sinto que têm a vibe de que eu gosto e que acho que se enquadra connosco. Às vezes, num convívio, acabamos por trocar ideias e depois é combinar: passa cá em casa ou no estúdio e acontece criar o instrumental. Foi o caso do “Molio”, que eu fiz com o Lhast. O processo costuma ser esse: mandam-me vários e eu vou escolhendo os que gosto mais e depois mostro ao resto do pessoal; ou então dou referências: “Ouve lá aqui esta cena do SchoolBoyQ, ou esta dica do J Cole, ou do Kendrick…”. É por esse caminho que vão crescendo.
Podemos recuar seis anos e recordar como nasceu esta aventura dos GROGnation?
Nasty Factor — Eu já tinha feito música com todos eles, individualmente. O Neck é meu primo; o Harold e o Prizko já eram da mesma turma e foram da minha turma no 11º ano. O “Papi” já tinha jogado à bola com o Harold, quando eram mais novos e é amigo de um rapaz que era da nossa turma. Então eu já os conhecia porque sempre me juntei a pessoal com os mesmos gostos…
E a tua ideia inicial era fazer um grupo?
Nasty Factor — A ideia nem foi minha!
Neck — Eu e um outro amigo é que tivemos que o chatear para avançar para isto, porque não havia um grupo! Achámos que podíamos ser qualquer coisa… e entretanto, acho que já somos qualquer coisa! (risos) Ficámos todos nós, que somos de Mem Martins.
“Já tínhamos beats que foram usados para projetos anteriores, mas que ficaram para este álbum; houve outro pessoal que fomos encontrando no caminho, como por exemplo o DJ Ride, o Holly, o Sam The Kid… O Neo Beats., do Brasil; ou o Fabrice, de Viana do Castelo” — Papillon
Todos do código postal 2725! E muitos dos vossos temas são uma descrição daquilo que é morar num subúrbio da Linha de Sintra.
Harold — A nossa segunda mixtape conta uma viagem que temos para um concerto. É como se estivéssemos a relatar tudo o que se passa na nossa Linha: desde Mem Martins até ao concerto… As pessoas às vezes nem sabiam onde era Mem Martins: conheciam até às Mercês, ou conheciam Sintra e Mem Martins ficava meio perdido. Hoje em dia sentimos que, mesmo através da música, conseguimos pôr Mem Martins ali no mapa e contar as experiências de tudo o que se passa na nossa zona.
E há muito para contar, não é? São tantos prédios, com tantos andares… há ali muitas vidas a acontecer.
Prizko — Atenção: é uma das maiores freguesias da Europa, em termos de população!
Entrevista: Bruno Martins