“Já me aconteceu sonhar com melodias! Há uma parte da ‘Earth Space’ que me surgiu a meio de um sonho”
Drops é o nome do primeiro EP de Sofia Ribeiro, que se dá a conhecer na música como Lince. Já lhe conhecíamos três faixas — “Call Me Home”, “Earth Space” e, mais recentemente, “Puzzles”. Há agora mais duas para serem conhecidas nesta primeira aparição a solo da cantora e compositora que trabalhou com o coletivo There Must Be A Place e com os We Trust.
Lince conta-nos como nasceu a ligação à música — ela que teve uma verdadeira formação artística — a paixão pelos pianos e pelos sintetizadores e o lado visual que ajudam a estimular os vários sentidos: de quem faz e de quem ouve.
Antes desta aventura a solo como Lince, cantaste e tocaste em We Trust e no projeto There Must Be A Place. Mas pode dizer-se que tens uma verdadeira formação artística: estudaste canto lírico e dança!
Comecei com dança, muito pequenina, com cinco anos, a ter aulas de ballet. Desde essa altura que o meu percurso artístico não parou. Primeiro o ballet, depois era daquelas miúdas que cantava nas festas da escola… nunca percebi, exatamente, quando é que começou o meu caminho, porque lembro-me, desde sempre, de ser acompanhada pelas áreas artísticas. E artes plásticas, que também viria a estudar. Tudo isto sempre fez parte da minha vida.
E a música?
Na adolescência achei que precisava de me formar um bocadinho mais e então comecei a ter aulas de formação musical, foi aí que tive aulas de canto lírico. E nessa altura, mais ou menos em simultâneo, comecei a ter as minhas bandas da adolescência, com amigos que também era músicos em Guimarães. O lado profissional foi então com os There Must Be a Place e We Trust.
“Além da minha ligação aos felinos, o nome Lince também surgiu de uma coincidência interessante: o mesmo nome, a mesma palavra, foi-me sugerida por duas pessoas que não tinham ligação nenhuma. Espero que também transmita qualquer coisa de felino ao vivo!”
Sentes que dás muito uso, hoje, em Lince, a toda essa formação? Sobretudo, de uma forma mais óbvia, ao canto lírico?
Sim, acho que a formação que temos torna-se intrínseca. Apesar de não pensar muito nisso em coisas como “Deixa-me lá colocar assim a voz” , ou “vou fazer este exercício”… mas é algo que ficou em mim, já depois de ter tido esses anos de formação e essa educação vocal. Isso mantém-se em mim.
As teclas também estão muito presentes neste projeto Lince. Não só no piano, mas também nos sintetizadores. É esta a base melódica do projeto, não é?
É verdade. A ligação às teclas começou com a necessidade de tocar um instrumento. Eu tinha ideias para compor, mas não sabia tocar num instrumento, só sabia cantar. Então senti a necessidade de ter um instrumento musical para me conseguir acompanhar a minha voz, para compor. E sempre gostei do som do piano, era o que mais me atraía. Mas foi já bastante tarde… não sei precisar, mas já foi depois de ter tido aulas de formação musical. Mas foi muito auto-didata: comprei um piano e comecei a tocar!
E foi mais fácil passar para os sintetizadores.
Sim, claro, porque são teclas: a técnica acaba por ser a mesma, apesar de o sintetizador exigir depois, outras coisas. Mas os sintetizadores também são tão diferentes… é preciso estar ali a explorá-los.
O piano é essencial para ti na altura da escrita de canções?
Sim, normalmente sim. Pelo menos algumas palavras chave já me surgem no momento inicial da composição. Normalmente, as músicas surgem sempre que me sento ao piano e começo a juntar acordes e melodias de voz. Quando começo a cantar, vou introduzindo as palavras que possam ter muito a ver com momentos que estou a viver. Já me apareceram melodias no meio da rua e já me aconteceu sonhar com melodias (Risos). Há uma parte da “Earth Space” que me surgiu a meio de um sonho.
E isso pode explicar muita coisa na tua música, como os ambientes etéreos e sonhadores! Por um lado tens a formação em canto lírico e a ligação ao piano — dois lados mais clássicos da música; e depois a ligação aos sintetizadores, um elemento meio disruptivo, que dão possibilidades quase infinitas para pintar as composições.
Agora que estou a pensar nisso… acho que reflete um bocadinho aquilo que eu sou, na verdade (risos). Também há essa dualidade em mim. Eu gosto muito de elementos eletrónicos e sempre fui atraída por esse tipo de som. As bandas de que eu gostava utilizavam muito esses sons. Foi isso e o poder trabalhar o som: gosto de pedais, de explorar sons diferentes dentro do mesmo mecanismo. Com os sintetizadores posso ter um instrumento e manipulá-lo em direto, ao vivo. O piano eu sento-me e é aquele som.
Dá-te também a possibilidade de trabalhar sozinha, sem banda. Também houve esta vontade com Lince?
Eu sempre gostei do trabalho solitário e é uma coisa que já vinha antes de ter outros projetos, outras bandas. E achei que precisava de um espaço na minha vida, de facto, para fazer as coisas sozinha. Esse tipo de instrumentos facilita muito o trabalho.e
“Eu sempre gostei do trabalho solitário e é uma coisa que já vinha antes de ter outros projetos, outras bandas. E achei que precisava de um espaço na minha vida, de facto, para fazer as coisas sozinha”
A ideia da solidão é algo que queres transpor para a música e para as palavras?
Sim, acho que essa solidão reflete-se porque, acima de tudo, falo de experiências muito pessoais, de coisas muito minhas, que eu vivo. E isso, quer queira, quer não, acaba por se refletir na música que componho. E mesmo nos sons: há uma certa nostalgia, mesmo que aliada a um lado mais pop e outras coisas mais abertas… mas há sempre esse lado mais solitário.
Como olhas para este primeiro EP, o Drops?
Chamei-lhe Drops precisamente por serem umas primeiras “gotas”, um primeiro chegar meu. Um aparecer, quase como se fosse o levantar de um pano. Claro que sinto que é um ponto de partida para algo que quero que seja muito maior. Quero editar mais discos, fazer muitos mais concertos. É um primeiro passo.
É um EP com cinco temas. São os temas que sentes que podem, nesta altura, transmitir melhor aquilo que queres vir a fazer com Lince?
Sim, penso que sim. Quis mostrar isso logo com o lançamento dos dois primeiros temas — “Earth Space” e “Call Me Home”. Apesar de terem uma sonoridade mais ou menos semelhante, são bastante diferentes. Acho que reuni um conjunto de temas que mostra um pouco daquilo que Lince poderá vir a ser, sem dúvida.
Destes cinco temas, já tens três vídeos. Também existe uma forte componente de imagem associada a este projeto?
Tenho tido sempre um cuidado visual naquilo que passa para as pessoas, porque é muito importante tentar estimular mais do que um só sentido. Atrai muito mais as pessoas e capta muito mais a atenção. Também tenho essa componente das artes visuais e performativas e todas reunidas conseguem enriquecer muito mais aquilo que a música diz, podem acrescentar muito mais àquilo que a música é. As pessoas que escolhi para fazer isso, o André Tentúgal e o Vasco Mendes, têm essa estética que me atrai bastante e um lado cinematográfico.
O André Tentúgal, além desse lado da realização, tem tido um outro papel importante naquilo que é o som de Lince: na produção musical.
O André foi daqueles amigos com quem fui partilhando as músicas que tinha composto. E mostrou-se muito interessado no projeto, e ajudou-me a produzir este EP.
“Chamei-lhe Drops precisamente por serem umas primeiras ‘gotas’, um primeiro chegar meu. Um aparecer, quase como se fosse o cair de um pano. Claro que sinto que é um ponto de partida para algo que quero que seja muito maior”
E a escolha do nome Lince para o projeto? Porquê o interesse num felino raro?
(risos) Eu gosto muito de felinos!
És uma “cat person”.
Sim, gosto imenso de gatos. Já tive gatos — neste momento não. Acho os felinos seres muito misteriosos, mas muito ativos… o escolher o nome Lince demorou muito tempo. Além da ligação aos felinos, também surgiu de uma coincidência interessante: o mesmo nome, a mesma palavra, foi-me sugerida por duas pessoas que não tinham ligação nenhuma, em dois momentos diferentes. Acabei por agarrar a sugestão.
Achas que também abraças a personalidade dos felinos na altura de escrever canções? Já percebemos que és bastante ativa, também independente como os felinos, e misteriosa?
Sim, espero que também transmita qualquer coisa de felino ao vivo! (risos) Mostrar o lado mais forte e atraente ao vivo!
Entrevista: Bruno Martins