“Quando és mais novo vives mais a correr. Agora já te sentas, olhas em volta e aprecias”
Foram precisos dez anos para que David Alves editasse um disco. Sensei D. não é um desconhecido nem um estreante – muito pelo contrário. É um produtor de alta rotação que, nos últimos dez anos, tem-se feito ouvir através de mixtapes e beatapes e de colaborações e parcerias com vários MCs. O seu primeiro disco, Vivificat, é uma espécie de retrato da juventude para a vida adulta – um período em que, por um lado, deixa-se ficar muito para trás, mas, por outro, renasce – vivifica-se – algo de novo em cada um de nós.
Para fazer esta reflexão, e expandi-la num disco de batidas e sonoridades clássicas e pesadas, com um espírito quase filosófico, Sensei D. chamou para o seu lado um conjunto de MCs amigos e companheiros para dar voz e palavras às suas faixas: Kappa Jotta, Fuse, Ruste Juxx, Puro L, Beware Jack, Karlon, TNT, Valas, Stig Of The Dump, Slaine, Gab One, RealPunch, Nerve, João Tamura e ainda uma participação especial de Noiserv.
O produtor explica como é que ele próprio se “vivificou” para construir um trabalho tão marcante.
A tua primeira edição foi o EP I – 1 Música, 1 Arma, no longínquo ano de 2007, mas só agora, quase ao fim de dez anos, é que editas o teu primeiro disco longa-duração. Porquê?
Os EPs que fiz anteriormente tinham um tema, mas eram uma coisa muito freestyle: enviava uns quantos beats aos MCs, eles escolhiam. E as coisas iam acontecendo. Mas neste álbum foi diferente: foi tudo mais limado. Quando ia começar a compor um beat já sabia qual era o MC que ia convidar. Foi tudo feito para encaixar nos MCs.
Mas também para encaixar naquilo que querias que o MC dissesse.
Exatamente. Eu dei uma espécie de briefing ao pessoal que ia entrar. Quando vi que as coisas estavam a levar este rumo, de ser tudo limado ao ponto que queria, percebi que estava a dar mais importância a isto do que dava aos EP, que estava a dar demasiado de mim e comecei a querer que o álbum fosse um espelho meu, de todas as influências que tive ao longo dos anos.
Que briefing foi esse que passaste aos MCs?
Eu já tinha a ideia do nome “Vivificat”: é algo que floresce, que renasce. Tem um bocado a ver com a minha vida, que tenho 33 anos, estou já na idade adulta e há imensas perspetivas que mudam: as formas de ver, de entender e lidar com as coisas. Por um lado, morre o lado mais adolescente, mas ganha-se outra noção das coisas. É engraçado que, aos trinta e tal anos, começa a sentir-se o peso da beleza dos momentos que vives. Quando és mais novo vives mais a correr, enquanto agora já te sentas mais, já olhas em volta e aprecias. Existe um certo renascer das pessoas nesta idade em que estou agora. Por outro lado, também faço renascer os beats: encontro samples antigos e dou-lhes uma vida nova. Expliquei aos MCs o que é que significava o nome e que gostaria que os temas fossem à volta dessa ideia. Os temas não falam todos desse renascimento, mas foi criado um ambiente para dar espaço às ideias deles.
“Há músicas que falam de arrependimento, de memórias do passado, do manter a fé, da luta diária, das rotinas, das frustrações e dos sonhos que queremos ter e que às vezes não nos deixam ter”
Conseguiste prever que o disco ia transmitir a mensagem filosófica que os MCs passam?
Acho que sim. Os beats e o tal briefing ajudaram. Há músicas que falam de arrependimento, de memórias do passado, do manter a fé, da luta diária, das rotinas, das frustrações e dos sonhos que queremos ter e que às vezes não nos deixam ter.
Como é que chegas a este grupo de amigos que participaram no disco?
Eu nunca me prendi a uma zona, a uma clique, ou ao rap de uma zona. Eu sempre gostei muito do rap do algarve, do rap do Alentejo, do Porto, do rap criolo. Tentei ir buscar o “responsável” por cada uma dessas secções que queria preencher. Depois é tudo pessoal que já conheço há algum tempo, alguns com quem já tinha falado fazer coisas em conjunto ou até já tínhamos feito coisas em juntos. É a minha família mais chegada do hip hop.
Temos beats mais pesados para uma série de MCs, uns da velha escolha, outros de uma escola mais recente. E depois, em “Brightly Night”, na faixa com o Nerve e com o João Tamura, aparece o Noiserv, um artista mais contemplativo, que acabou de lançar um disco sentado ao piano.
O Noiserv foi perfeito para fazer a junção dos dois MCs, a excentricidade do Nerve e do Tamura. Gosto muito de pessoas polivalentes e o Noiserv é uma dessas pessoas. Até acho que já construiu alguns instrumentos dele! E acabou por não ser só voz e os instrumentos que se ouvem ali no refrão são praticamente todos tocados por ele. Como disse: todas as faixas significam um bocadinho de mim e essa é o meu tributo ao trip hop.
“Todas as faixas representam uma influência minha, algo que passei ou um estilo que me marcou”
Mas já conhecias o Noiserv?
Andámos os dois no Instituto Superior Técnico. Não nos conhecíamos, mas ele sabia quem eu era e eu sabia quem ele era: no Técnico fizemos os dois rádio, na rádio Zero. E falámos uma vez ao telefone, por causa de coisas da faculdade.
Como foi a criação do disco? Fechas-te muito no trabalho na altura produção e gravação?
Eu sou um bocado “rato de laboratório”: prefiro fechar-me no estúdio, para não ser interrompido e gosto de ir para lá quando não tenho nada agendado para fazer a seguir. Não é uma coisa só de horas vagas. Muitas vezes vou sem pensar para quem é que vou produzir e perco mais tempo a procurar os samples do que a produzir. Depois, felizmente, quase todos os MCs têm estúdios ao pé deles: a única faixa que gravei pessoalmente foi a do Beware Jack, que foi gravada na Headstart, e a do GabOne, no X-Acto.
Ainda te lembras quando é que começaste a ter interesse pela música?
Desde muito cedo. Os meus pais sempre tiveram música a tocar por casa. Primeiro em Portugal e depois em Macau. O meu pai sempre comprou muita música e ainda hoje compra muita música. Claro que comecei a ouvir o que os meus pais ouviam, como música portuguesa, Michael Jackson, Jetro Tull, Ray Charlres e muito jazz. Os meus primeiros discos foram de rock – Nirvana, Smashing Pumpkins, mas os primeiros que pedi ao meu pai para me comprar foram os de Ugly Kid Joe e de Sepultura! Do metal passei para o punk e depois do punk para o hip hop, talvez por haver a proximidade da mensagem interventiva. Almoçava com senhas da escola para poder guardar dinheiro para comprar CDs e chamava os meus amigos lá a casa, reunia-os para mostrar as músicas.
Começaste por ser DJ para os teus amigos.
Sim, o DJ foi a extensão disso! Comecei a fazer djing e dentro do hip hop sempre fui de A a Z. Claro que comecei pelos clássicos, mas depois conheci o Nené, que me mostrou a vertente do Murs, a Def Jux, Aseop Rock. Ia à Godzilla, agarrava em dois discos e os gajos da loja diziam-me que se levava daqueles dois, de certeza que ia gostar de outros dez que lá tinham! Conheci muita música na Godzilla e também na Supafly.
“Eu gosto muito de pessoas polivalentes e o Noiserv é uma dessas pessoas. Até acho que já construiu alguns instrumentos dele! ‘Brightly Night’ é o meu tributo ao trip hop”
Passaste o início da tua vida em Macau.
As primeiras memórias da minha vida são em Macau. Eu fui para lá com três anos.
Ficaste em Macau até quando?
Estava quase a fazer 12 anos, mas vinha durante as férias. Mas viajei muito. Macau permitia fazer muitos voos para perto, que tanto podia ser o México como a Índia. Isso marca muito! Tanto que sou o Sensei D., mas não procuro só samples chineses. Claro que tenho a minha marca, e no álbum a primeira faixa, com o Puro L, é o sample de uma caixa chinesa.
O lado mais espiritual que o disco possa ter, o renascimento, o florescimento, é também uma marca da influencia oriental?
Acho que sim. As coisas estão sempre todas ligadas. Todas as faixas representam uma influência minha, algo que passei ou um estilo que me marcou.