Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
Tédio Boys – “Lost in the Jungle”
O nome era, claro, todo um programa. Se nada acontecia, e se o nada que acontecia era, aos olhos deles, ainda mais entediante que uma seca dos diabos, então, que raio, alguma coisa teria que ser feita para acabar com esse estado de coisas. E eles fizeram, oh senhoras e senhores, se fizeram. Eles, os Tédio Boys, a banda nascida em Coimbra, em 1989, não exactamente de costas para a Universidade e a modorra dos seus rituais académicos, mas em caminhada paralela, a provocá-la para que se ouvisse uma qualquer reacção, um sinalzinho de agitação, qualquer coisa que fosse – e que tal tocar na Queima todos nus, com frangos de talho a tapar suas vergonhas? Isso é que era, e foi (aconteceu em 1995). Os Tédio Boys, ou seja, na sua formação clássica, Toni Fortuna, Paulo Furtado, Victor Torpedo, Kaló e André Ribeiro, empenharam-se arduamente. Montaram concertos guerrilha nas ruas e o pessoal ouviu, muito feliz, muito inspirado, muito entusiasmado, e a polícia ouviu também, menos feliz e muito diligente em acabar com a pouca vergonha. Sem efeito, claro. Não seriam as forças de autoridade a parar o rock’n’roll e o desejo muito punk de tomar o destino nas suas mãos que a banda demonstrava. Ainda por cima, quando a banda tinha tanto a seu favor. Tinha o conhecimento profundo do punk dos Clash, do rockabilly de Elvis e Gene Vincent, da country de Johnny Cash, do surf dos Ventures, dos Cramps senhores de tudo e de todos. Conhecia todas essas discografias e sabia da vida que as fizera nascer. Vê-los, de resto, era testemunhá-lo: abençoado frenesim o dos Tédios Boys, sempre a um passo do descalabro, dispostos a descarrilar com sorriso aberto no rosto se assim ditasse o momento. Com o passar do tempo, os concertos ganharam dimensão de lenda.
Com o passar do tempo, contou-se a história das digressões americanas, contou-se como, num ápice, Coimbra se transformou em cidade de punks e rockabillies inspirado pelo exemplo dos cinco. Com o passar do tempo, os Tédio Boys começaram a ser reconhecidos como uma das bandas fulcrais do final do século XX da música portuguesa, e seguimos atentamente a vida que se seguiu, que ganhou o nome de Legendary Tigerman, Parkinsons, Wraygunn, Bunnyranch ou d3ö. Mas lá atrás, no início de tudo, estavam aqueles músicos irritados com o vazio à sua volta, a gritar a frustração com toda a gana e todo o desdém pelo tédio que embrutecia.
Deixaram “Outer Space Shit”, o terceiro álbum, deixaram “Bad Trip”, o segundo. Deixaram aquele que registou em disco os primeiros tempos da aventura. Título eloquente: “Porkabilly Psychosis”. Recentemente reeditado, é um delírio de country surfado, garage apunkalhado, cowboyadas surreais como interlúdio – e sai mais um bourbon para a mesa do canto. “Lost in the jungle”, cantavam eles. “Perdidos na selva”. Pegaram na catana e cá vai disto. A selva não mais seria a mesma.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso