Foto: Manuel Simões
“Hoje já não é preciso ser de Lisboa ou do Porto, muito menos de Londres ou Nova Iorque, para fazer música que seja relevante”
Confessamos o nosso entusiasmo com o novo disco dos Cave Story: há algo de muito bonito nesta história de amigos músicos que ligam as guitarras aos amplificadores e se põem a fazer rock. A não querer mais nada na vida e a não se importarem com preciosismos. Apesar de já andarem a encher o Bandcamp com gravações desde 2013, foi com o EP Spider Tracks – e com a incrível “Southern Hype” – do fim de 2014, que começámos a agitar a cabeça freneticamente, com uma guedelha imaginária a escorrer-nos pela cara abaixo.
Além da música, o trio formado por Gonçalo Formiga, Pedro Zina e Ricardo Mendes tem a atitude certa: fazem a música que querem, à hora que querem, sem grandes desculpas. West, o primeiro longa-duração dos Cave Story, chega hoje às lojas e é o resultado do trabalho – que é também lazer – que desenvolveram entre o anexo onde montaram um estúdio caseiro nas Caldas da Rainha e duas experiências em estúdios mais a sério (Valentim de Carvalho e Sá da Bandeira). West não é uma dedicatória de amor às Caldas da Rainha, mas é antes o espelho da vida de “três garotos a tentar fazer música” no Oeste, como nos diz Gonçalo.
O título do disco aponta a uma coordenada geográfica que é também a vossa casa. É o reflexo do vosso gosto por morarem nas Caldas da Rainha, por serem habitantes da chamada zona oeste do país?
Não é propriamente por gostarmos. Não é uma ode às Caldas da Rainha. É, simplesmente, o que é! Quisemos falar daquilo que é o Oeste. É daí que vem o título. Mas também de tudo o que está relacionado com o Ocidente.
Num disco destes, de rock, há alguma temática que seja o fio condutor do disco?
O fio condutor passa pela nossa experiência em determinados assuntos: a vida de trabalho, que, nesta altura, nos nossos mid 20s, passa por ter uma banda. Tivemos outros trabalhos esporádicos para conseguir algum dinheiro, mas a nossa experiência de vida tem sido ter uma banda. Falamos das Caldas da Rainha em específico no sentido em que conhecemos pessoas de fora que, quando dizemos que somos daqui, dizem que é espetacular, só que nós que vivemos lá sabemos que não é assim tão espetacular! Ou seja: se não tivermos grandes experiências de vida sobre as quais falar, vamos agarrar naquilo que temos: somos três garotos a tentar fazer música e temos que escrever qualquer coisa para ter letras! O disco anda muito à volta de perguntas, de coisas tão estúpidas como: porque é que uma pessoa está a correr com baguetes ou como é que lidamos com o facto de o nosso único trabalho até hoje ter sido uma banda. Sabes aquilo que se costuma dizer que quando um trabalho é amador é mais fácil do que quando se é profissional, porque passa a ter uma carga diferente? Nós estamos a lidar com isso e a escrever sobre tudo isso.
“Para nós, ser lo-fi ou outra coisa que lhe queiram chamar não foi uma opção de estilo. Foi sempre uma necessidade. Claro que percebemos a magia de fazer muito com pouco, mas nunca foi premeditado”
É sempre importante levantar questões para encontrar respostas.
Sim. Por exemplo, no single “Body Of Work” fazem-se várias perguntas, questionamo-nos bastante. Mas o que interessa mesmo é que tudo isto não se torne aborrecido.
O facto de morarem nas Caldas da Rainha e não num grande centro urbano é relevante no vosso trabalho?
Não sei bem. Acho que é mais relevante porque não havia há algum tempo bandas a saírem das Caldas que fossem faladas nacionalmente, por isso torna-se algo que provoca sempre conversa. E nós também acabámos por pegar nisso neste novo álbum, porque ainda não tínhamos falado antes. Hoje em dia não é preciso ser de Lisboa ou do Porto, muito menos de Londres ou Nova Iorque, para fazer música que seja relevante. Sabemos que este som já foi feito, mas nós queremos fazer a nossa cena, queremos tentar criar qualquer coisa.
O último ano e meio tem sido concorrido para os Cave Story. Conseguiram conciliar bem os ensaios e os concertos com o processo criativo e de gravação de West?
Nós já tínhamos algumas músicas que fizemos logo depois do último EP estar feito. Fomos trabalhando nelas aos poucos. Mas, de facto, fizemos muitos concertos e nós temos uma espécie de ritual que é ter de ensaiar, pelo menos, uma vez antes de um concerto. É isso que faz com que possamos ir para palco menos nervosos. Então ficávamos mais tempo a ensaiar e acabávamos por não gravar tão rápido. Se não fosse assim, se calhar ainda conseguiríamos ter lançado o álbum em 2015.
“As músicas que fazemos estão muito ligadas à maneira como as gravamos”
Há uma evolução que se nota neste disco: não no sentido estético, mas sobretudo na qualidade da gravação. Fazer um registo mais limpo foi uma opção da vossa parte?
Acho que foi natural. Quando gravámos o EP tínhamos dois microfones. Agora temos quatro e isso faz logo uma diferença nas coisas que conseguimos fazer. Para nós, ser lo-fi ou outra coisa que lhe queiram chamar não foi uma opção de estilo. Foi sempre uma necessidade. Claro que percebemos a magia de fazer muito com pouco, mas nunca foi premeditado, do género: “vamos gravar só com um microfone!”. Agora tentámos ir mais longe, ser mais controladores, escolher coisas. E tivemos uma experiencia em dois estúdios, num convite que tivemos para participar num documentário em que se ia fazer uma entrevista a produtores e precisavam de uma banda-cobaia . Aproveitámos e, com isso, tivemos dois dias de estúdio: um nos da Valentim de Carvalho e outro nos estúdios Sá da Bandeira. E foi muito interessante: ver o que é que podemos nós tirar de equipamentos como esses; o que é que pode ir para o disco vindo de um estúdio em comparação com aquilo que vem da nossa casa. No final, acabámos por ter duas músicas no disco, gravadas nos estúdios, mas tentámos que tudo fosse coerente, sem se notarem as diferenças de locais.
Onde é que é o vosso estúdio?
É numa casa que temos, num anexo, feito estúdio.
“Temos vindo a falar nisso de fazer mais coisas nas Caldas da Rainha, agir um bocado mais localmente. Mas como vamos tantas vezes para fora, às vezes é difícil ter tempo para organizar com calma”
O facto de hoje em dia terem seis microfones em vez de terem gravado com dois, o que é que traz de novo à criatividade da banda? A captura de som, apenas, ou há uma mudança em termos estéticos?
Acho que há um abrir de possibilidades – mas não demasiadas, porque também não fomos para um estúdio onde tínhamos um tempo ilimitado. Simplesmente temos mais duas peças de material com as quais podemos tentar chegar mais perto de algo que queríamos. Para nós, as músicas que fazemos estão muito ligadas à maneira como as gravamos. Para nós é tudo o mesmo processo, tal como as misturas. E somos um bocado controladores nesse processo todo. Neste disco só a masterização é que foi feita com outra pessoa, porque tínhamos de ter certeza de que ia bem para o vinil. Mas não é possível separar a nossa parte criativa da parte técnica.
Achas que essa ligação entre a composição e a forma como gravam vai continuar a ser uma marca dos Cave Story?
Acho que podemos sempre abrir mais possibilidades, mas, ao mesmo tempo, podemos sempre querer fazer uma coisa com menos meios porque percebemos o encanto das gravações lo-fi que todos nós ouvimos – mais não seja de bandas de que todos gostamos muito. Da minha parte, como gosto muito de estúdio, queria sempre que o meu estúdio melhorasse e tivesse mais possibilidades, porque isto também se torna num vício. Toda a gente fala do vício do material de áudio. Mas também não ponho de parte um desafio de vamos registar tudo só com um microfone e vamos ver como sai. As possibilidades não ditam que o momento seguinte tenha de soar mais limpo, mais perfeito. É tudo uma questão de hipóteses e aquilo que fazes com elas.
“Tivemos outros trabalhos esporádicos para conseguir algum dinheiro, mas a nossa experiência de vida tem sido ter uma banda”
Apesar do encanto lo-fi, parecem ter um grande fascínio por ir para o estúdio gravar canções e fazer experiências. Sentes que têm crescido nesse aspeto?
Sem dúvida, até porque também estamos noutros projetos paralelos. Sentimos sempre que somos cada vez mais precisos a chegar àquilo que queremos. Mas é claro que há um nível de precisão que só vem com outro tipo de material e coisas que não temos. O que poderá fazer de nós bons profissionais de som é conseguirmos fazer o melhor possível com poucas coisas. E isso é uma algo que queremos continuar a fazer: gravar mais bandas. E se não houver editoras para as lançar, lançamos nós. Isso faz parte da nossa maneira de ver e fazer música: a nossa maior inspiração são aquelas bandas do início dos anos 80 que começaram a editar-se a si próprias. Mesmo sendo muito diferente nos dias de hoje, há um fascínio da nossa parte por isso.
Há coisas que nunca mudam na música, mesmo saltando 20 ou 30 anos. E a forma como vocês estão na música prolonga-se no tempo: já era assim nos anos 1980 e 1990 e continua a ser assim agora.
Acho que sim. Há muita gente com ideias independentemente de as fazerem como profissão ou não. Simplesmente querem lançar música ou organizar concertos. Conhecemos pessoas fantásticas que dão tudo o que têm para conseguir ter uma banda de uns miúdos que começaram agora a tocar com eles.
Achas que também estão a ajudar a dinamizar a música que se faz nessa coordenada geográfica do Oeste?
Talvez não. Talvez seja uma coisa que tenhamos de melhorar, que talvez tenhamos de fazer quando tivermos mais possibilidades. Temos vindo a falar nisso de fazer mais coisas nas Caldas da Rainha, agir um bocado mais localmente. Mas como vamos tantas vezes para fora, às vezes é difícil ter tempo para organizar com calma. Mas há muitas outras pessoas, não exatamente na nossa zona, que fazem muito em termos de promoção – como o Jonas Gonçalves, da Ya Ya Yeah, ou em Rio Maior o Paulo Louro dos Maiorais e tantos, tantos outros.
Entrevista: Bruno Martins