CATARINA: Gostava de saber mais sobre o teu mais recente trabalho As Above, so Below, que é muito poderoso e sentido. O que nos podes dizer sobre ele?
SAMPA: Uau, obrigado por me receberem em Portugal. Nós adoramos isto aqui. O As Above, so Below é sobre um momento circular. É sobre o meu regresso a Zâmbia, o meu local de nascimento, e sobre ser uma artista no meu próprio país, algo que não tive oportunidade de fazer enquanto estava na Austrália. Por isso, é um momento circular, em que me sinto completa e finalmente eu mesma. As Above, so Below significa que o que está no interior é o que está finalmente a ser exposto.
CATARINA: Uau, isso é incrível. Como foi a receção do disco na Zâmbia?
SAMPA: Oh, eles adoraram, adoraram mesmo! E também tive a oportunidade de apresentar alguns artistas zambianos, o que foi ótimo para mim. E depois, claro, consegui estar na banda sonora do Pantera Negra. Isso foi um feito ainda maior! E estou contente por o álbum ter corrido como correu e estou muito orgulhoso de onde ele chegou.
CATARINA: Muitos parabéns! E qual é o feedback do público fora de Zâmbia? Na Austrália, por exemplo.
SAMPA: Em primeiro lugar, as pessoas adoram música em línguas diferentes. [risos] Eu estava um pouco cética em relação a ter canções numa língua totalmente diferente, principalmente porque a minha carreira começou num país de língua inglesa… Havia talvez um pouco de hesitação em relação a, sabes, ter música que as pessoas não iriam necessariamente compreender, porque eu sou conhecida pelas minhas letras, sou conhecida pelas histórias que conto…. Por isso foi um salto ambicioso, mas estou contente por ter sido bem recebido. O número de pessoas que vejo a cantar a “Never Forget” e o refrão está numa língua totalmente diferente e o pessoal a cantar, eh—ahh!… É mesmo bonito ver que todos nós nos podemos ligar à música dessa forma. Daí estar muito orgulhosa e essa é também uma grande lição que também tirei deste álbum, sabes? A música é uma linguagem universal e as pessoas ligam-se ao sentimento da coisa.
CATARINA: Podem não entender, mas sentem-no.
SAMPA: É isso. E isso é mesmo bonito.
CATARINA: E no que toca à síndrome de impostor? Sentes muito isso sendo uma mulher no hip-hop? É um sentimento que não desaparece, mas o que fazes para o combater?
SAMPA: Para mim, a beleza de regressar a casa e também de poder fazer digressões com a minha banda zambiana e dar oportunidades a outros músicos que são de onde eu sou, reduz a minha síndrome de impostor, porque me garante que estou a usar a benção que tive, as plataformas que tenho para promover as carreiras de outras pessoas… E penso que, muitas vezes, a síndrome do impostor tem origem no “porque eu?”… Mas se estivermos a usar essa plataforma para abrir caminho e portas para outras pessoas, então compreendemos o porquê de sermos nós, e penso que foi assim que consegui responder a essa pergunta. E tens razão, não desaparece totalmente com cada nova montanha, com cada novo obstáculo, com cada novo objetivo… É como se tivéssemos a ideia de que nunca fizemos isto antes e pensamos “isto é novo, é assustador, não sei se estou pronta para fazê-lo”, mas acho que à medida que a minha viagem foi avançando, fui conhecendo mentores meesmo fantásticos. Conheci Angelique Kidjo, e só o facto de poder conversar com ela sobre algumas das minhas dúvidas e medos, é um privilégio que eu não tinha quando comecei… E acho que à medida que continuamos, à medida que conhecemos músicos que fazem a mesma coisa, que passaram pelas mesmas dificuldades, começamos a perceber que toda a gente se sente assim! Percebes que é um sentimento normal e que não somos tão duros connosco próprios.
CATARINA: E pensando nesses mentores, gostava de saber quais são as tuas maiores inspirações na música.
SAMPA: Na música o que mais me inspira é a maneira como nos aproxima e liga a todos. Estamos em tour há já dois consecutivos por causa deste álbum. E ser capaz de nos ligar a pessoas de diferentes partes do mundo através desta única fonte de música, é mesmo… Posso conectar-me com pessoas em Portugal e na Zâmbia e no Michigan e com esta mesma canção, e toda a gente a canta da mesma maneira e sente a mesma coisa, isso é lindo. O facto de estarmos tão ligados através da música e o quão espiritual ela é tem sido muito bonito. E finalmente, desfrutar dos pequenos momentos da vida que, por vezes, tomamos como garantidos. E fazer isso com a família, como a minha irmã e o meu primo estão na minha banda. Por isso, poder ter estes grandes momentos com eles e com a tua família tem sido muito bonito.
CATARINA: O que sentes mais falta tendo em conta que estás em digressão há tanto tempo?
SAMPA: De dormir! [risos] Comida caseira, dormir, e a família que deixei em casa…. são provavelmente os três primeiros, mas dormir…
CATARINA: Dormir é mesmo essencial… Passando agora para uma pergunta bem mais séria, sentes necessidade em representar mulheres negras no hip-hop ou fazes aquilo que te faz mais sentido e deixas o destino seguir o seu caminho?
SAMPA: Acho que é um bocado as duas coisas. Apercebi-me que como uma artista alternativa que por acaso é africana e mulher, vou ser sempre representativa de alguém, quer eu queira ou não. Agora estou a usar essa informação para promover as oportunidades de outras mulheres negras, para garantir que eu me mantenho fiel a mim mesma, porque posso ser um exemplo para outras mulheres negras e nunca me reduzir a algo que não sou. Isto é uma força que me permite ser mais livre, nunca um fardo. Portanto, é um pouco de ambas as coisas, mas agora mais de uma forma positiva do que de uma forma pressionada, como quando comecei.
CATARINA: Muito obrigado, Sampa.