Texto: Nuno Galopim | Locução: Daniel Belo | Sonoplastia: Luís Franjoso
Para todos os melómanos por esse mundo fora, o dia de hoje, 27 de julho de 2018, é uma data particularmente especial: são 25 anos da edição de Siamese Dream, o segundo álbum de estúdio dos Smashing Pumpkins. A efeméride não podia passar ao lado da 3, que a celebrou com cinco especiais dedicados a cinco temas do disco da banda de Chicago, durante todo o dia.
O mundo da música vivia sob um intenso clima de entusiasmo no início da década de 90. As grandes digressões chegavam aos estádios, os discos vendiam-se em números sem dieta e a televisão tornara-se uma eficaz rampa de lançamento global para novas bandas.
Depois de uma explosão de acontecimentos na música de dança na reta final dos oitentas (que chegou mesmo a contaminar bandas de guitarras, como os Primal Scream), o início dos anos 90 abria horizontes em várias frentes. Por um lado, a dos flirts entre a música urbana e o jazz. Depois, as intensas movimentações no hip hop, inclusivamente naquela zona cool e narcotizada que, em Bristol (no Reino Unido) e, com os Massive Attack, colocava o trip hop no mapa. O chill out e o techno dividam protagonismo nas eletrónicas.
Mas era entre terrenos rock’n’roll que se desenhavam fenómenos que em breve teriam impacto global. Fenómenos nascidos em terreno alternativo, com um forte foco de atenções sobre Seattle, onde bandas como os Pearl Jam, Alice in Chains, Soundgarden e Nirvana partiam para, por esses dias, alcançar uma dimensão universal. Destes últimos, o álbum Nevermind, editado em 1991, ficou como um episódio maior na história da cultura popular. O disco teve como produtor Butch Vig o mesmo que, também em 1991, assinou a produção de um outro disco que elevaria a um patamar de reconhecimento internacional uma banda que nascera em Chicago em 1988. Como se chamavam? Smashing Pumpkins.
Depois de primeiros singles e de uma agenda inicial de concertos que procurara mais a qualidade estratégica dos palcos do que a quantidade das datas marcadas, os Smashing Pumpkins tiveram no álbum Gish um passo seguro que lhes valeu uma subida de estatuto editorial já que, perante os resultados obtidos, assinaram pela Virgin Records. Era um passo com ambição face à vida na mais pequena subsidiária Caroline Records que assegurara a edição do álbum de estreia.
Foi assim, já com selo da Virgin Records, que, a 27 de julho de 1993, chegou às prateleiras das lojas de discos de todo o mundo o segundo álbum dos Smashing Pumpkins. Um monumento que cativou atenções e abriu caminho para a expressão das visões nada discretas da sua principal força criativa: o vocalista Billy Corgan.
Nos 25 anos de Siamese Dream, lembramos as histórias, as reacções e as figuras por detrás da criação deste álbum. E também as suas canções. “Mayonnaise” é o primeiro exemplo.
Foi há precisamente 25 anos que o mundo descobriu as canções de Siamese Dream, o segundo álbum dos Smashing Pumpkins. O disco começou a ganhar forma depois de uma digressão que vincou o impacte causado por Gish e aproveitou da melhor forma o desafio lançado por bandas como os Red Hot Chili Peppers, Guns N’ Roses ou Jane’s Addiction, que chamaram os Smashing Pumpkins para algumas primeiras partes. Sob o efeito do sucesso global que estava a ser registado — sobretudo pelas bandas de Seattle -, um motor de ansiedade pairou sobre a banda que avançou, então, para o desafio de criar um segundo álbum.
Contudo, o momento parecia ser longe de ideal para trabalhar. O guitarrista James Iha e a baixista D’Arcy terminaram o seu relacionamento. O baterista Jimmy Chamberlain passava por uma etapa de dependência de drogas e álcool e Billy Corgan, enfrentando um episódio depressivo, tomou em mãos a escrita das canções.
Mudaram-se para Marietta, na Georgia — novamente na companhia de Butch Vig —, para gravar o disco. A mudança não procurava características particulares do estúdio em si. A distância face a Chicago obrigaria o grupo a concentrar atenções, diminuindo as fontes de distração do seu habitat natural em Chicago. Ao mesmo tempo, era uma manobra pensada para tentar controlar o baterista e o caso de dependência que vivia então. Distância que, contudo, não o impediu de desaparecer frequentemente por pequenos períodos.
Pelo contrário, procurando contrariar tanto a ansiedade como a depressão, Billy Corgan concentrou as suas atenções no trabalho criativo. E, talvez como efeito da terapia a que então foi submetido, deixou chegar palavras que ressoavam de forma mais evidente as suas inseguranças, dúvidas e vivências pessoais às canções. Um exemplo? Podemos encontrá-lo naquela que foi a primeira canção que compôs para o álbum. Surgiu num dia em que sentiu bem evidentes os efeitos da depressão e chegou mesmo a contemplar pensamentos suicidas. A editora quis depois que fosse este o single de avanço, mas acabou por ser o segundo a ser lançado. O certo é que se tornou um clássico no seu tempo. Aqui fica “Today“.
Billy Corgan cresceu a venerar os discos dos The Cure. Antes de formar os Smashing Pumpkins, teve uma banda de rock gótico, numa altura em que viveu pontualmente na Florida. Em 1988, de regresso a Chicago, conheceu o guitarrista James Iha, com o qual começou a fazer canções — que juntavam temperos de psicadelismo às atmosferas góticas. Actuavam apenas os dois, acompanhados por uma caixa de ritmos. Depois de um concerto dos Dan Reed Network, conheceram D’Arcy Wretzky, que se juntou a eles mal descobriram que tocava baixo. A caixa de ritmos foi depois trocada por um baterista. Com Jimmy Chamberlain a bordo, o som da banda ganhou novas possibilidades e fulgor.
Quando, em inícios de 1993, chegou o momento de gravar as canções de Siamese Dream, o perfeccionismo de Billy Corgan atingiu um patamar que gerou desconforto interno, sobretudo quando resolveu gravar ele mesmo overbubs sobre as partes de baixo e de guitarra. A sua visão de um som grandioso e o tom exigente com que encarou o processo de gravação chegaram à imprensa em histórias que o retrataram como tirano junto dos seus companheiros de trabalho. Esse será apenas um entre os vários motivos de desconforto na relação entre Corgan, alguns dos seus pares e também uma imprensa musical que encarou com algum cepticismo uma postura que alguns apontaram ser mais parecida com a de heróis do rock dos anos 70 do que com o clima que então se viva entre bandas indie.
Senhor do seu nariz, inteligente e dado ao sarcasmo, Billy Corgan respondeu a todos numa canção que não só colocou na abertura do alinhamento do álbum como escolheu, contra a vontade da editora, enquanto single de apresentação. Nos 25 anos da edição de Siamese Dream, aqui fica a sua resposta em forma de canção: “Cherub Rock“.
Editado em 1991, num ano em que muitas atenções do rock alternativo estavam concentradas em bandas vindas de Seattle, os Smashing Pumpkins conseguiram fazer-se notar pelo jogo de semelhanças e contrastes que o seu álbum de estreia, Gish, propunha face aos novos heróis do grunge. Dois anos depois, o segundo álbum, Siamese Dream — editado há precisamente 25 anos — revelou que os sinais de diferença sugerida em Gish se tinham transformado na plena afirmação de uma visão mais sofisticada, embora não menos intensa, de um rock que colhia ideias entre o shoegazing, o psicadelismo ou o heavy metal, sem perder as tonalidades sombrias de quem, em tempos, encontrara referências nas esferas do rock gótico.
Com mais sinais de virtuosismo instrumental e uma afirmação de identidade mais marcada no canto, Siamese Dream nasceu após quatro meses de trabalho de estúdio que envolveu frequentemente jornadas de 16 horas. Billy Corgan e o produtor Butch Vig atingiram um estado de cansaço tal que chamaram a bordo alguém para, depois, fazer a mistura. Assim, entrou em cena Alan Moulder, que antes tinha já colaborado com os Jesus & Mary Chain, Ride e Curve, mas cujo verdadeiro cartão de visita para este convite estava no seu trabalho em Loveless, dos My Bloody Valentine. Moulder começou por pedir duas semanas de estúdio, mas a mistura acabou por se estender durante uma maratona de 36 dias. No final, e em evidente contraste com os 20 mil dólares que custara a produção de Gish, o segundo álbum dos Smashing Pumpkins acabaria por apresentar contas na ordem dos 250 mil dólares.
Os resultados claramente compensaram depois os gastos. E, 25 anos depois, revisitamos Siamese Dream como um clássico onde podemos encontrar canções únicas como “Spaceboy“, tema que Billy Corgan criou como tributo ao seu meio-irmão mais novo Jesse, autista, e com quem estabeleceu uma relação muito próxima desde sempre.
Foi com Siamese Dream que os Smashing Pumpkins subiram de escalão: a banda que se revelara como promessa em Gish (o álbum de estreia editado em 1991) atingia, neste segundo disco, aquele raro patamar de excelência que consagra os discos que a história depois reconhece como referência.
A banda estava longe de ser um caso de unanimidade. Foi dessa divisão de opiniões que se acentuaram as disparidades entre as propostas ambiciosas da visão que Billy Corgan ali expressava e muitos dos outros nomes do rock alternativo americano de então.
Havia quem os aclamasse e elogiasse sem medo. A revista Select chegou mesmo a descrever o disco como “a maior e mais expansiva explosão de música em grande escala” que se iria escutar nesse ano.
Pelo contrário, o respeitável Simon Reynolds afirmou que faltava ao disco vencer aquele limiar “que faz o zeitgest” que reconhecera antes em Nevermind, dos Nirvana.
Entre colegas, a coisa não se fazia com mimos. Os Pavement parodiaram-nos numa canção. Bob Mould chamou-lhes os Monkees do grunge. E Steve Albini comparou-os aos REO Speedwagon.
Soubessem todos eles que, depois de Siamese Dream, a visão de Corgan acrescentaria à obra do grupo outras pérolas como Mellon Colie and the Infinite Sadness (em 1995) e Adore (em 1998), e talvez tivessem usado outro tom nas palavras.
Contudo, foi nessa não-unanimidade de opiniões que o disco chegou ao mundo, arrebatando, mesmo assim, vendas globais na ordem dos seis milhões, mesmo sem ter nenhum dos quatro singles dele extraídos chegado sequer a figurar a lista dos cem mais vendidos nos EUA. Mais impacto, nesse departamento, houve deste lado do Atlântico. “Disarm“, um dos singles, chegou mesmo ao número 11 no Reino Unido.
Não é de números, de facto, que vive a memória de Siamese Dream. Mas, 25 anos depois, fiquemos com esse single que, deste lado do oceano, se transformou num êxito. Mais e maiores chegariam pouco depois.