Foto: Amorim Ferreira
“Já sabia que tinha estas músicas em mim e então fui buscá-las”
J-K (lê-se Jota-Kapa) é Jorge Simões. Hoje, quase a entrar nos trintas, já não é o miúdo de Sorriso Parvo – atenção que este é o nome do seu primeiro disco. O rapper da Monster Jinx cresceu na Sertã, e não será demais dizer que é ele um dos culpados por ter passado a existir na Beira Interior um movimento de hip hop. Desde cedo que se aventurou no mundo das rimas. Fez-se homem no advento da internet, das gravações caseiras e da partilha de ficheiros, tudo situações que fizeram despertar o interesse do coletivo Monster Jinx – que hoje organiza a segunda edição do Monster Jinx Fest – nas capacidades de J-K.
A união faz a força e se a Monster Jinx ajudou J-K a crescer, também é possível dizer que o trabalho do rapper também ajudou a dar maior notoriedade à editora que tem o quartel-general no Porto, mas que espalha por todo o País as suas atividades dentro do universo do hip hop e da música eletrónica de cariz urbano através da criação de nomes como DarkSunn, NO FUTURE, pretochines, Slimcutz, Taseh, Stray, Min & Supa, Nitronious ou Ghost Wavvves.
Hoje à noite, no Maus Hábitos, no Porto, celebram-se coisas importantes: comecemos pela segunda edição do Monster Jinx Fest, evento que celebra mais um ano de atividades da editora e que vai juntar os mais diversos talentos que fazem parte da fileira do “monstro roxo” – com DarkSunn, dgtldrmr., nitronious, NO FUTURE, Taseh e DJ Slimcutz (que juntos formam os Roger Plexico). Mas sublinhe-se a presença de J-K, já que o rapper tem para estrear o seu novo álbum, Contos de Espadas, que mostra que Jorge tem coisas para dizer: é um disco maduro, crescido, adulto, e que vem acompanhado de um livro com ilustrações de convidados talentosíssimos e a provar que o objeto físico na música ainda tem muito valor. O rapaz da Sertã que em garoto gravava os seus discos em casa e que mesmo assim escrevia num caderninho os props aos amigos, sorri de peito cheio e com muito orgulho: “Esta foi a primeira oportunidade que tive de escrever num disco meu, a sério, os agradecimentos. E só isso já me deixa muito feliz.”
Quem ouviu o teu disco anterior, Sorriso Parvo, e ouve agora este novo Contos de Espadas, vai encontrar muitas diferenças. O primeiro vinha com um tom mais leve.
Sim, muito mais leve! O Sorriso Parvo foi o auge daquele estilo de rap que estava a fazer. É um disco com muitos samples muito calmos. Mesmo o tema das letras, que é um bocado um grande resumo da minha vida jovem adulta até àquele ponto. Por isso é que comecei a querer fazer coisas diferentes, porque senti que aquele patamar já estava atingido.
Quando é que te apercebeste de que tinhas vontade de ter uma abordagem mais adulta?
Foi quando estava para sair o Sorriso Parvo. Já tinha na minha cabeça a ideia de fazer algo dentro deste género, mais cru. Comecei a perceber que ali estavam muitos sonhos, muitas coisas românticas e ideais, mas a minha vida mostrava-me que eu já tinha outras coisas para dizer.
Contos de Espadas já é um disco de um homem crescido, de uma pessoa madura.
Acho que sim. É menos deslumbrado.
Mais hipócrita?
Sim! Essa frase [“o último romântico, primeiro hipócrita”, que abre o disco] era um bocado o que eu sentia. Sentir a hipocrisia que tinha na música e, se calhar na vida, e aqui tentei ser um bocado mais concreto. Não é que tenha conseguido na plenitude, porque acaba-se sempre por falhar. É um disco de amadurecimento, não de uma pessoa madura – porque isso ainda não sou. Mas pelo menos tento.
“A Monster Jinx é hoje o espelho de termos chegado a uma altura em que tivemos de começar a levar as coisas mais a sério. Foi preciso criar objetivo e foi isso que foi feito: crescer nas edições, editar coisas novas, criar festas…”
Este não é um álbum de canções. Por aquilo que escreves e pela forma como escreves – a debitar muitas emoções – deixa perceber que foram dois anos de muita escrita, de muitos rascunhos.
Foi um processo engraçado: havia a ideia muito concreta do que ia fazer. Juntei uns instrumentais e fiz o núcleo duro do disco, que são os temas “Presa”, “Tijolo”, “Dragão” e “Quimera”. Eram beats agressivos e num mês escrevi essas músicas todas. Em três meses fiquei com o álbum fechado. Depois houve muito tempo para reescrever.
Como é que é o teu momento de escrita? Tens um local ideal para deitar os pensamentos cá para fora?
Escrevo sozinho. Conheço muitos rappers que conheço que escrevem juntos, ou com o produtor a fazer beats ao lado. Eu escrevo sempre sozinho, à noite, a altas horas. Se a coisa começa a fluir, consigo escrever a letra toda de seguida e quando entro nesse modo, já não consigo parar e tornam-se noites em que me deito às quatro ou cinco da manhã.
As letras e aquilo que foste escrevendo à noite, à meia-luz, em casa, também acaba por te levar para beats mais negros e pesados?
Mais ou menos. Já sabia que tinha estas músicas em mim e então fui buscá-las. Pedi mesmo aos produtores [OSEB, NO FUTURE, Roger Plexico, Gobi Bear e Spark] instrumentais mais obscuros. Não tem que ver com escrever à noite, mas com querer deitar esta música cá para fora.
“Em Sorriso Parvo estavam muitos sonhos, muitas coisas românticas e ideais, mas a minha vida mostrava-me que eu já tinha outras coisas para dizer”
Dedicaste um grande trabalho ao lado visual do disco. Depois da escrita, da procura dos beats, ainda foste à procura de gente que te ajudasse a ilustrar o álbum. Era importante tornar este trabalho num objeto físico?
Tem um bocado que ver com a visão que temos da música na Monster Jinx, mas também por motivos pessoais. Na Monster Jinx a música é de borla, e por isso vendemos objetos: cassetes, vinis, t-shirts. Eu quis fazer um livro porque é um objeto de que gosto. Tive uma sorte do caraças, que foi ter encontrado a Lara Luís, ilustradora do Porto que é minha amiga, que adorou, disse que sim ao projeto e ainda me ajudou a trazer mais ilustradores para o projeto. Alguns são já pessoas que conheço, como a Min, a Sofia Ayuso, a Kruella d’Enfer. Mas o Laro Lagosta, o Lobijovem e o Bruno Albuquerque são pessoas que a Lara Luís achava que iam fazer um trabalho porreiro.
Como é que este disco vai traduzir-se ao vivo logo à noite no Monster Jinx Fest?
Vou ser eu em palco e o DarkSunn a meter instrumentais. É uma coisa muito mais solitária, muito mais crua. A ideia é estar um gajo no palco a mandar fora, mesmo das entranhas, aqueles versos todos para o público.
A Monster Jinx é hoje um coletivo muito diferente daquele que havia quando te juntaste. Este festival é um bocado o espelho disso?
Sim, é o espelho de termos chegado – tal como eu cheguei com este disco – a uma altura de maturidade, em que tivemos de começar a levar as coisas mais a sério senão aquilo deixava de ter piada. Foi preciso criar objetivo e foi isso que foi feito: crescer nas edições, editar coisas novas, criar festas… Ser mais organizados. Dantes éramos organizados pela paixão. Agora o pessoal tem menos tempo e por isso há necessidade de ser organizado. O Monster Jinx Fest é o corolário de dois anos de muito trabalho e de poder chegar ao fim do ano e ter não sei quantos produtores que lançaram projetos; haver pessoal na festa com as t-shirts que tu lançaste. E tens o dobro ou o triplo dos artistas que tinhas há dois ou três anos. É uma celebração!
“Contos de Espadas é um disco de amadurecimento, não de uma pessoa madura – porque isso ainda não sou. Mas pelo menos tento”
Quem é que queres mesmo ver no festival, qual é aquela atuação que não vais mesmo perder? Porque já sabemos que entre abraços de parabéns pelo disco e idas ao bar para brindar, há alguns concertos que vão ficar para trás.
Eu não vou perder o OSEB – ele não toca assim tantas vezes quanto isso e já somos amigos ainda antes de eu entrar para a Monster Jinx! Já de há muitos anos, da Sertã, apesar de termos começado a dar-nos já em Lisboa. Ele tem um gosto mesmo fixe. O set vai ser aquele mesmo mais diferente. Tem uma seleção e instrumentais muito fixes. Estou mesmo curioso, lá na linha da frente, se não estiver mesmo em cima do palco!
Entrevista: Bruno Martins