“Costumo dizer que este Assimétrico é uma espécie de eletro-folk”
Cresceu como músico nos Dazkarieh, mas a vontade de experimentar novas paisagens sonoras levou-o a misturar os seus cordofones com música eletrónica. Luís Peixoto apresenta amanhã, dia 16 de Fevereiro, no Musicbox, em Lisboa, o seu primeiro disco a solo. Assimétrico foi construído nos últimos dois anos com a ajuda de Quiné Teles (Brigada Victor Jara) que criou percussões acústicas retrabalhadas, posteriormente, por Peixoto de forma digital — como um produtor de eletrónica. Esta foi a primeira experiência do músico neste universo: sem rede, arriscou e acabou a criar um disco de fusão de dois universos que, habitualmente, não estão de mãos dadas, mas que podem perfeitamente coexistir. Luís Peixoto demonstra-o com esta estreia em disco a deixar água na boca para novos voos.
Quando e como é que este Assimétrico começa a nascer?
Foi há mais de cinco anos. Fui viver para a Galiza depois de sair dos Dazkarieh e quis logo fazer o meu projeto. Mas isto demora sempre muito! Fui chamado para tocar com outros projetos, e fiz outros trabalhos com bandas galegas. Esta canções foram sendo compostas, e guardadas em computador e só, há cerca de dois anos, é que comecei a pensar no formato de disco. E mesmo assim ainda demorou dois anos!
Quando começaste a pensar no disco, quais eram as ideias que tinhas? Começou tudo com os cordofones?
Sim, comecei com os cordofones. As músicas foram quase todas começadas com bases ou harmónicas ou melódicas e depois é que fui adicionando as partes mais eletrónicas.
Quais são os instrumentos que tocas neste disco?
O bandolim é o instrumento mais presente. Mas toco também o bouzuki — que é uma espécie de um bandolim grande, do tamanho de uma guitarra — o cavaquinho português, há uma viola braguesa e uma melodia gravada numa guitarra de Coimbra.
“Normalmente, quem conhece música eletrónica não conhece nada do tradicional; e os que conhecem a música de tradicional não conhecem nada de música eletrónica. E dizem o mesmo dos dois estilos: ‘Isso é tudo a mesma coisa!’”
Como é que começa esta tua relação com os instrumentos de cordas?
Comecei a tocar estes instrumentos de cordas tradicionais na Associação Académica de Coimbra, quando entrei para o grupo de cordas da Estudantina Universitária de Coimbra. Foi aí que tive aquele bicho de tentar descobrir o que se pode tentar fazer com estes instrumentos. Fui encontrando também muitos discos de música folk e comecei a tentar reproduzir essas músicas.
Já tocavas guitarra?
Sim, quando era miúdo os meus pais puseram-me numa escola. Estive no Conservatório, na Academia de Música de Lagos. Mas não desenvolvi muito.
És Algarvio?
Não, sou de Coimbra. Mas os meus pais eram professores e estavam a dar aulas em Lagos e por isso cresci lá. Depois fui estudar para Coimbra, estudar engenharia civil, mas isso ficou pelo caminho.
Prosseguiste os estudos na música?
Sim. Ainda estudei bandolim clássico no Conservatório de Coimbra, mas acabei por ter um professor que me disse que era melhor deixar porque já tinha os concertos com Dazkarieh, uma vida profissional já fora do universo da música clássica e quase que não tinha tempo para estudar! (risos).
Essa aventura nos Dazkarieh também moldou e encaminhou para esta expressão individual neste disco? Por um lado a tradição, por outro lado a criação de novos universos mais progressivos?
Aprendi muito nos Dazkarieh quando entrei na vida profissional como músico. Claro que tenho referências dessa altura neste disco. Já em Dazkarieh nós fazíamos uma recolha e pesquisa da música tradicional e tentávamos inovar, para fazer versões modernas, adicionar algo mais atual às recolhas.
Também tens esse trabalho de recolhas aqui neste Assimétrico.
Sim, o tema “À Beira” vem com a voz da Catarina Chitas — uma voz muito conhecida dentro das recolhas do Michel Giacometti. Mas esta recolha nem é do Giacometti: é do Ernesto Veiga de Oliveira e do Benjamim Pereira. O que fiz foi usar como sample as vozes destas recolhas e compor também uma música à volta disso.
O tema “À Beira” parece ser um dos temas que vai um bocadinho mais longe nesta tua ligação entre os cordofones e a música eletrónica.
Sim, mas depende um bocado da opinião de cada um. Mas por ter esta recolha tão rural metida no meio dos sintetizadores, pode tornar mais clara a ideia de fusão.
“O bandolim é o instrumento mais presente. Mas toco também o bouzuki — que é uma espécie de um bandolim grande, do tamanho de uma guitarra — o cavaquinho português, há uma viola braguesa e uma melodia gravada numa guitarra de Coimbra”
Como é que tu olhas para este disco? Como explicas esta fusão?
É difícil definir um estilo para isto. Eu costumo dizer que este Assimétrico é uma espécie de eletro-folk, ou algo do género. Mas, na realidade, o que conduz este disco são os instrumentos que eu toco: as cordas pulsadas com palheta musicadas com composições em que vou misturando elementos de eletrónica com flautas, gaitas e percussões do Quiné Teles. E vou pondo isto de uma forma pouco convencional.
O Quiné também tem um papel importante neste Assimétrico. De que forma?
Ele é um dos grandes percussionistas dentro do panorama da música tradicional em Portugal. Toca com a Brigada Victor Jara e tem um percurso notável. Eu toquei com ele no espetáculo Fica no Singelo, da Clara Andermatt, e houve ali uma ligação boa de trabalho. Ele gostou muito da ideia e então enviei-lhe algumas músicas. Fui gravar a Aveiro, ele veio gravar aos estúdios Silver Lining. A composição foi uma produção de computador, de pegar naquilo que ele gravou e eu a ir mudando.
Qual é a tua relação com esse lado mais de produtor eletrónico?
É um mundo sem fim. Permite-nos fazer mil coisas diferentes, de maneiras diferentes. É criatividade máxima. Quando eu quis juntar estes dois mundos reparei que não percebia muito de eletrónica, apesar de gostar (risos). É um fator interessante saber que são dois mundos muito afastados. Normalmente, quem conhece música eletrónica não conhece absolutamente nada do tradicional; e os que conhecem a música de tradicional não conhecem nada de música eletrónica. E dizem o mesmo dos dois estilos: “Isso é tudo a mesma coisa!” Foi um grande desafio tentar perceber e, mesmo assim, ainda há muito por explorar.
“O que conduz mais este disco são os instrumentos que toco: as cordas pulsadas musicadas com composições em que vou misturando elementos de eletrónica com flautas, gaitas e percussões”
Queres dar-nos alguns artistas que tenham sido inspiração para ti para entrares neste universo da produção eletrónica?
Um produtor que serviu de referência foi o Paul Kalkbrenner, que ficou bastante conhecido pelo filme Berlin Callling, e que gosta muito de usar elementos mais orgânicos nas suas composições. Mas gosto de muitas coisas diferentes: por exemplo, Skrillex, por causa de dubstep; mesmo que este Assimétrico não tenha muito disso! (risos) Mas também gosto muito de techno mais duro, como Ritchie Hawtin.
Dar nomes às canções, ainda mais instrumentais, deve ser uma tarefa sempre complicada. Como é que aparecem estes títulos? São aquilo que te faziam sentir?
Há umas que já tinha o universo criado e outras que vou dando nomes específicos — e só quando começam a tomar forma é que lhes dou o nome. Por exemplo: “Sábados de Manhã Quando Eu Era Pequeno” levava-me a esse imaginário. Tinha amigos que me diziam que os sábados de manhã quando eram pequenos faziam lembrá-los do barulho dos aspiradores (risos). Eu lembro-me de ir para o campo andar de bicicleta.
A tua ligação ao lado mais tradicional da música vem dessas experiências mais rurais da infância?
Não sei. Pelo facto de ter crescido em Lagos havia um bocado o lado da tranquilidade. Na altura em que os miúdos podiam brincar na rua à vontade. Mas nos anos 1980 era como qualquer outro miúdo!
“Já fui, com um gravador, tentar fazer uma recolha de temas antigos através da minha avó e tia-avó! Mas elas já não se lembram. Consegui fazer algumas, mas ainda não as usei!”
Havia muita música em casa?
Os meus pais não têm muita ligação à música, mesmo que tenha sempre ouvido a minha mãe a cantar lá por casa. Só que tiveram a preocupação de me pôr a estudar música.
O que é que ela cantava?
Lembro-me de a ouvir cantar coisas simples, cantigas de embalar para o meu irmão mais novo. Nada de especial. Já fui, com um gravador, tentar fazer uma recolha de temas antigos através da minha avó e tia-avó! Mas elas já não se lembram. Consegui fazer algumas, mas ainda não as usei!
Como vai ser o concerto do Musicbox?
Vai ser um bocado diferente daquilo que costumo fazer noutros espetáculo de outros projetos. Vai ser algo híbrido, com melodias tocadas com instrumentos, mas com bases eletrónicas. E vão estar os convidados todos presentes: o Quiné, a Fabíola e o Miguel Quitério — que toca flautas e gaitas-de-foles. Vai ser divertido e vou tentar que seja dançável!