Foto: Sérgio Dias Santos
“A idade e a experiência trazem-nos a certeza daquilo que somos”
Timóteo Santos é hoje um homem feliz. Aos 41 anos, e aos 21 de carreira na música, conseguiu fazer o álbum que procurava fazer há muito tempo. Há já vários anos que NBC tinha o título Toda a Gente Pode Ser Tudo na sua cabeça. Este é um disco imaginado já desde 2003, quando editou Afro-Disíaco: criar álbum onde pudesse meter guitarras a solar e baterias a ribombar. Porque a sua música não é só o hip hop – nunca foi, apesar de a categorização como artista do género o ter sempre acompanhado. NBC também é hip hop. Mas é, igualmente, muitas outras coisas. É isso que nos anda a fazer ver desde 2013, quando editou o EP Epidemia, carregado de soul, r’n’b e rock – além de saber rimar, Timóteo Santos tem um poder vocal incrível e que sabe explorar muito bem.
No seu novo trabalho, a banda que o acompanha há já um par de anos, os The VelCrew, assume um papel determinante. São eles que levam NBC para o lugar que ele tanto almejava. Mas nota também para o trabalho de Slow J, responsável por cerca de 50 por centro da produção, que puxa o músico para um universo mais contemporâneo. É um saudável equilíbrio entre o que é orgânico e o que é maquinal que encontramos neste Toda a Gente Pode Ser Tudo. Como convidados, NBC tem Virgul, Dino D’Santiago, Sir Scratch, e José Salgueiro (Resistência e Trovante).
Depois do EP Epidemia, em 2013, lançaste, em 2015, os singles “Gratia” e “DOIS” que aparecem agora, finalmente, no chamado “álbum a sério”. Este novo Toda A Gente Pode Ser Tudo é o resultado desse trabalho em crescendo dos últimos anos?
Tudo o que tenho feito, em meu nome ou enquanto convidado, marca este disco. Mas muitas das coisas que este disco contém são coisas que tenho, de alguma forma, guardadas no meu subconsciente. É aquilo que eu sou e fui desde 2010 até à atualidade. Quando estava a preparar o Epidemia já tinha este disco em mente, mas para o concretizar precisei de passar por esta construção, precisei de ter os músicos que tive e do estúdio onde trabalhei – no Big Bit. É um disco mais complexo, mas que de facto é a minha cara, era o que queria fazer.
O nome do disco, pelo menos, já estava na tua cabeça há muito tempo. Acabou por revelar-se como tinhas imaginado?
É. Exatamente como tinha imaginado, sem tirar nem pôr. Podia ter colocado mais algumas flores e mais algum ornamento em volta, mas no todo é exatamente o disco que pretendia fazer e estou muito contente por isso. Não é muito normal um arista poder ficar contente com o produto final, mas eu estou.
“Musicalmente, tive muitos dias muito tristes pela incompreensão, por não perceber porque é que as pessoas tinham que achar que eu tinha que ser um Sam The Kid ou um Mundo Segundo, ou tinham de meter-me em caixinhas para me entenderem melhor!”
Há um aspeto que salta muito ao ouvido: a variedade sonora das 15 canções, como um tema mais acústico, “Nu” (com o Virgul), mas também temas de hip hop mais clássico, como “Estrelas”; mas também um ambiente de hip hop mais moderno em faixas como “Dois”, “Acorda” ou “Nativo”.
É mesmo isso. Nada melhor para um artista, escritor, cantor, conseguir transportar as pessoas para aquilo que desenhou mentalmente. Eu tenho estas ideias na minha cabeça há muito tempo. O tema “Nativo”, por exemplo, nasceu de uma pergunta: como é que eu vou conceber uma canção em que possa falar da minha origem, de onde sou, e ao mesmo incorporar isso nos meus tempos de criança em Portugal, naquela altura em que tinha o tempo à minha disposição, e agora numa idade adulta parece que não tenho tempo para nada e quero estar sempre a construir coisas. Eu cresci dentro de vários ambientes sonoros trazidos pelos meus pais: de música africana, que tínhamos em casa, mas também música americana ou muita música francesa e, claro, portuguesa – sou fã desde os primórdios, consumindo tudo o que é música portuguesa incluindo festival da canção. Eu gosto de mesclar coisas! Esses ambientes sonoros acabam por ser notados nas músicas, não há outra forma. Misturo tudo como se fosse uma salada.
“Muitas das coisas que este disco contém são coisas que tenho, de alguma forma, guardadas no meu subconsciente. É aquilo que eu sou e fui desde 2010 até à atualidade”
Só com o passar dos anos é que conseguimos notar certas coisas. No ano passado fizeste a digressão 40/20 – que celebrava os teus 20 anos de carreira e os teus 40 de idade. Concordas que foi só com a experiência que percebeste qual era o teu som e em que géneros é que te enquadras? Não és só do hip hop nem és só do rock, como tão bem mostraste no último EP.
É verdade. Até mais do que isso: consigo ser mais eu próprio porque tenho noção que quem está desse lado – jornalistas incluídos – também já conseguem perceber quem eu sou, algo que durante muito tempo não foi possível. Já no Maturidade havia quem dissesse que não sabia qual a categoria musical em que devia ser incluído. E a verdade é que não tem que ser tão específico como rock ou hip hop. De facto, a minha origem enquanto músico é diversa. Hoje em dia, se as pessoas já me conhecem melhor a mim e ao ambiente musical em que gosto de estar, acaba por ser mais fácil para mim poder ir para zonas mais “fora de pé”. De certeza que vão compreender-me melhor.
Aposto que isso dá-te muito mais confiança para dizeres o que pensas. Neste disco sente-se essa certeza com que dizes as palavras e as frases. É quase como se dissesses: “ouçam-me porque eu sei o que estou a dizer”.
A idade e a experiência trazem-nos a certeza daquilo que somos. Mas eu, musicalmente, tive muitos dias muito tristes pela incompreensão, por não perceber porque é que as pessoas tinham que achar que eu tinha que ser um Sam The Kid ou um Mundo Segundo, ou tinham de meter-me em caixinhas para me entenderem melhor! Por que é que eu não podia ser esta pessoa mais diversa, como sou? À medida que me vou conhecendo melhor, com a idade, com o tempo e com as pessoas à minha volta – músicos também, que são tantos e que aparecem neste disco – as coisas também se tornam diferentes e surgem as tais certezas.
“Cresci dentro de vários ambientes sonoros trazidos pelos meus pais: música africana, mas também americana ou francesa. E, claro, portuguesa. Eu gosto de mesclar coisas. Misturo tudo como se fosse uma salada”
Neste disco, acabaste por trabalhar com músicos e produtores de uma geração bastante anterior à tua: o produtor Slow J, que tem menos 20 anos do que tu; a tua banda, os The VelCrew, é formada por músicos que também tem menos 20 anos do que tu. É curioso que foi com a ajuda de gente mais nova que chegaste a esta maturidade musical. É sinal que pensavas neste disco há muito tempo, mas não conseguias fazê-lo?
Tal e qual. É mesmo isso. Eu já tinha a consciência, desde o Afro-disíaco, que queria meter músicos no estúdio e direcioná-los para onde eu pretendo e, ainda assim, ser diverso. Queria pôr guitarras e solos de guitarra num disco, como se ouve agora na “Estrelas”, que desse para pôr baterias de verdade… tudo o que eu quisesse! Porque a música só é rica se for assim, da mesma forma que ao vivo já não me apetece estar só a tocar com um DJ. De facto, a possibilidade de ter miúdos a trabalhar comigo, que conhecem o meu trajeto musical, que estão ali no estúdio a acrescentar valor é um privilégio enorme para mim. E poder estar a fazer aquilo que gosto de fazer.
Entrevista: Bruno Martins