“Queria fazer o disco crescer para tornar isto poderoso”
Bruno Rosmaninho está de volta aos discos depois de há quatro anos se ter estreado The First Time. O regresso acontece com as mesmas doses de delicadeza e diversão, mas agora mais crescido e ousado. Timeless é o nome do novo disco que foi cozinhando nos últimos tempos de forma destemida: os Rosemary Baby ganharam teclas e sopros — na medida certa. E Rosaminho continua a ser um compositor que escreve a partir do que lhe faz vibrar o peito: sejam as brincadeiras da filha, sejam problemas sociais onde quer que eles aconteçam. Este foi também o último trabalho produzido por Bruno Simões, que recebe neste Timeless uma dedicatória especial.
Passaram cerca de quatro anos desde o teu primeiro trabalho, que foi editado em novembro de 2013 e se chamou The First Time. Como é que foram passados estes quatro anos?
Com muita ansiedade, sem saber se havia de apostar num novo disco ou não. O planeamento do segundo disco arrancou logo assim que o primeiro chegou à rua. Aliás, o Henrique Amaro foi o responsável por ter começado. Eu mostrei-lhe as músicas e não sabia quais as que haveria de gastar para o primeiro álbum e ele disse-me: “Não gastes os cartuchos todos.” Então guardei algumas para entrar já num segundo trabalho. E assim fiz: com muita calma.
Esse The First Time tinha quantas faixas?
Sete, o que para um EP já não é mau. Guardei as que pensei que ainda podiam vir a dar algo e entretanto fui fazendo mais, mas não queria ter demorado tanto tempo. O objetivo inicial seria dois anos, mas depois saíram alguns membros da banda e dei por mim a pensar que se calhar ia seguir sozinho…
Mas não era isso que querias. Essas canções que sobraram ajudaram a conduzir o ambiente deste Timeless ou enquadraste-las num ambiente que criaste para este disco?
Foi as duas coisas. Guardei-as para me dar força para seguir e fazer um novo, mas agora adaptei-as ao ambiente do disco. Uma das músicas acrescentei-lhe uma voz, a da Iolanda, para trabalhar com personagens.
Quem é a Iolanda?
É uma amiga de uma amiga que apareceu do nada, que fez uns talent shows que não deram em nada, felizmente (risos). Ela não gostou de se ouvir, no início, tão crua, mas lá acabei por convencê-la que tinha que ser assim, sem truques (risos).
“Às vezes basta estar só a fazer um zapping na televisão para me deixar envolver por uma história… Um acontecimento pequenino pode servir de fio condutor para uma canção”
O teu primeiro trabalho vinha com uma dedicatória especial lá no meio, à tua filhota que tinha acabado de nascer. Entretanto passaram quatro anos…
… faz cinco anos amanhã [10 de maio]!
Ainda és o pai encantado com a paternidade? Isso ainda se reflete neste novo disco?
Ainda sou! E o universo da paternidade ainda faz parte do disco. Há duas canções do disco que foram feitas a olhar para ela, a vê-la a brincar na sala ou então uma de quando ainda ela ainda era muito bebé. E outras saíram um bocadinho mais do contexto da vida familiar: experiências na vida da estrada, experiências enquanto DJ — que ponho música às vezes, também — coisas que alegram e outras que me chateiam. Às vezes basta estar só a fazer um zapping na televisão para me deixar envolver por uma história… Um acontecimento pequenino pode servir de fio condutor para uma canção.
O primeiro single chama-se “I Can’t Breathe” e terão sido estas as últimas palavras de Eric Garner, um cidadão americano morto pela polícia em 2014. Porquê puxar por este tema para apresentação do disco?
A escolha do single não foi, propriamente, por causa do tema. Foi o Bruno Simões [ex-baixista dos Sean Riley & The Slowriders, desaparecido há um ano] que gravou o disco. Estávamos a meio do trabalho… e nessa música, precisamente. Depois de uma longa pausa, havia que decidir entre três ou quatro temas e essa já era um possível single e eu pensei: “é onde parou o trabalho e onde vai continuar.” E nem pensei mais: foi a escolha.
E uma espécie de homenagem tua também ao Bruno?
Sim, porque ele merecem mais do que tudo (sorri).
Como é que foi encontrar novos membros para gravar o disco? Como é que os desafiaste e como é que eles te desafiaram a ti?
Na altura das dúvidas entre continuar ou parar eu decidi continuar, porque isto não pode ser só one man bands! Resolvi meter teclas e sopros, porque sempre adorei sopros. Queria fazer o disco crescer para tornar isto poderoso. E fui desafiando um a um, mostrando as minhas ideias a outros músicos. Fomos para estúdio sem teclista, mas com as ideias mais ou menos na cabeça. E só nos estúdios Blacksheep é que o Dani [Terrell], que nos ajudou a gravar, e que se chegou à frente. E melhor não podia ter ficado!
É interessante que estando na dúvida entre acabar ou ficar sozinho, optaste por dar um enorme passo em frente que passou também por dar um corpo grande a este novo disco!
Sim, tinha que ser cá de dentro. Não sei para onde vai este projeto, ou se vai resultar, mas ao menos já está feito.
É uma prova da tua grande dedicação à música. Tinhas uma carreira enquanto cozinheiro…
Eu sempre tive restaurantes e até fui chefe de alguns outros restaurantes de Lisboa.
Mas esta aventura da música, mais a sério, começou quando estavas em São Tomé à procura de trabalho como chefe.
Sim, ia tentar ser chefe lá. A minha namorada já trabalhava na ilha de Príncipe como professora, mas nos dois meses em que lá estive foi quando comecei a fazer as canções. E não gostei muito do ambiente e da forma de funcionar… fechado numa ilha não ia ser fácil. No meio disto tudo, pedi uma guitarra emprestada ao padre lá da ilha (risos)… umas vezes ia à pesca, noutros dias ficava em casa experimentar a guitarra. E um dia decidi meter uma letra por cima de uma música!
“Às vezes penso nisso e acho que foi esse isolamento [em São Tomé e Príncipe] que me fez avançar para a escrita de canções, sem pensar em quem ia gostar ou não”
Mas já tocavas antes? Já tinhas tido bandas?
Não. Sempre gostei muito de música e aprendi a tocar piano em miúdo. Entretanto, com a restauração, comecei a organizar concertos e a fazer um festivalzinho na Arrifana que já vai para o 13o ano…
Como se chama?
Arrifana Sunset Fest, no porto dos Pescadores. Foi a convivência com os músicos, no final da noite, a pegar na guitarra. Foi ao Bernardo Barata, que me gravou o primeiro disco, que comprei a minha primeira guitarra, há uns 15 anos. E lá fui aprendendo com uns e com outros: com o reggae, com o rap, com o rock… foi aí que fui aprendendo. Ia tocando, mas nunca gostava do resultado final — mas apagava sempre (risos).
E foi preciso o isolamento de uma ilha para definir este lado de compositor…
Completamente. Às vezes penso nisso e acho que foi esse isolamento que me fez avançar para a escrita de canções, sem pensar em quem ia gostar ou não. Foram quase dois meses isolado.
“Não sei para onde vai este projeto, ou se vai resultar, mas ao menos já está feito”
Como vai ser apresentar estas novas canções ao vivo? Vais vesti-las da mesma forma que vestiste para o disco?
Gostava que fosse sempre assim, mas depende dos palcos. Sei que não vai ser sempre possível, mas vamos manter a base normal dos quatro — ou cinco, com as teclas ou não. Estou como Johnny Dinamite na bateria, o David Neto no baixo e o Rodrigo Almeida na guitarra. As teclas ainda não temos ninguém fixo, porque o Dani foi para a Holanda.
Já tens datas para te vermos ao vivo?
Estamos a tratar disso. Esperemos que no início de junho possa começar a acontecer.
Com o microfone desligado, falaste de uma possibilidade para a apresentação deste Timeless que nos deixou de água na boca: a ideia era juntar os cozinhados que fazias nos teus tempos de chefe a esta carreira de músico.
Sim, foi uma ideia genial da Cláudia [Duarte]: fazer um petisquinho só para receber a malta e fazer um bocado o que fazia dantes. A malta chega, petisca e há concerto.
Abre-nos lá o apetite: o que é que gostavas de cozinhar para a primeira parte do teu concerto?
Já pensei nisso… uma coisinha do Algarve, que é a minha segunda casa — eu sou Alentejano, de Montemor-o-Novo. Talvez fizesse um polvinho! Seria sempre qualquer coisa boa (risos).
Entrevista: Bruno Martins