“Felizmente sinto-me sempre muito inspirado para fazer nova música e tentar inovar”
O espírito criativo de Rui Maia voltou a fazer das suas: Bring The Light é o terceiro disco em três anos saído do seu estúdio com um pedaço de vista para o Tejo, ali entre os Prazeres e as Necessidades, em Lisboa. Depois da pausa nos discos dos X-Wife, a estreia a solo, com o nome de Mirror People, deu-se com Voyager. Em 2016 regressou com uma experiência que desejava há muito: Fractured Music, um álbum virado mais para as pistas de dança às cinco da madrugada. O novo trabalho, editado há um par de semanas, e que marca o regresso ao universo da pop eletrónica dos Mirror People, chama-se Bring The Light. Um trabalho que apanha o balanço noturno e eletrónico de Fractured Music, muito inspirado no lado mais rude dos anos 1980 e que conta com a voz de Jonny Abbey.
Em três anos, três discos: dois como Mirror People, um outro com o nome próprio de Rui Maia, próximo do universo da música de dança. Achas que este é o período mais criativo da tua carreira?
Felizmente, penso que nunca sofri de um bloqueio criativo. Estive sempre a criar estes anos todos…
E a produzir.
Sim, e a produzir. Muitas vezes o que acontece, quando não estou a criar para Rui Maia, ou para Mirror People, é que estou a criar secretamente para outras pessoas! Isto é um processo que, para mim, nunca acaba. Felizmente sinto-me sempre muito inspirado para fazer nova música e tentar inovar. Tento sempre fazer algo diferente e que seja um upgrade na minha carreira ou na minha sonoridade. Porque fazer música para mim é um desafio e espero que continue a ser.
És daqueles produtores que têm nomes secretos? Às vezes preferes não usar o nome Rui Maia?
Já aconteceu, claro. Existem os nomes secretos: José Pereira (risos). Estou a dar um exemplo, claro.
No primeiro trabalho tinhas feito um disco muito ligado às sonoridades mais disco. Como é que olhas agora para este Bring The Light?
Acho que este disco é bastante sólido, gosto imenso da sonoridade. E de certa forma até considero que seja o meu melhor trabalho até agora, porque é bastante criativo. A área que explorei, a eletrónica, é bastante interessante para mim. Penso que o disco está muito bem construído e, sinceramente, dá-me vontade de o ouvir – o que para mim é algo bastante importante.
“As referências que dei ao Jonny foi desde os Neon Indian – o último disco [Vega Intl. Night School] foi um disco importantíssimo para nós – até coisas como Soft Cell e Human League…”
Pode dizer-se que apanhaste balanço do teu disco anterior, a solo, o Fractured Music?
Certamente. Este disco, naturalmente, está tudo mais aperfeiçoado e é uma grande evolução na minha carreira. Em termos de coesão, de sonoridade e originalidade – também – penso que este disco foi o melhor que consegui até agora.
No primeiro disco, Voyager, tinhas convidado vários vocalistas para cantar as tuas canções. Aqui concentraste mais as energias na voz e palavras do Jonny Abbey.
Sim. Eu conheci o Jonny Abbey no YouTube – vi duas canções, dois vídeos, e gostei da abordagem e do timbre de voz dele que, de certa forma, encaixariam nos instrumentais que estava a desenvolver na altura. Decidi contactá-lo e avançar com uma experiência: felizmente correu tudo bem, as coisas foram super-fluidas e houve logo uma partilha de ideias muito natural. Aí o Jonny é um bocado como eu: super-empenhado na música, organizado e quer mesmo trabalhar. Para mim é muito importante e essencial quando estou a trabalhar com alguém: estarmos todos no mesmo barco, na mesma frequência.
É interessante que, conhecendo o Jonny em duas ou três canções no YouTube, não hesitaste em entregar-lhe a parte lírica do disco.
Foi tudo feito numa base de experiência, de tentar fazer qualquer coisa para ver no que resulta. Antes de passar ao trabalho tivemos uma reunião via telefone – o Jonny vive no Porto e eu vivo em Lisboa – e acertámos alguns pontos em termos de sonoridade e em termos de direção do disco.
“A área que explorei, a eletrónica, é bastante interessante para mim. Penso que o disco está muito bem construído e, sinceramente, dá-me vontade de o ouvir – o que para mim é algo bastante importante”
Que direções é que lhe apontaste durante essa conversa?
Eu queria que o disco tivesse uma batida forte e que fosse influenciado pelo lado mais rude dos anos 1980, que vem um bocado, como disse, no seguimento do Fractured Music, do ano passado que aborda este universo dos sintetizadores, mas Mirror People sempre foi um projeto muito mais pop, muito mais feito de canções. O Fractured Music é um disco de eletrónica para discoteca e Mirror People é um projeto pop para concertos e para tocar na rádio. As referências que dei ao Jonny foi desde os Neon Indian – o último disco [Vega Intl. Night School] foi um disco importantíssimo para nós – até coisas como Soft Cell e Human League… principalmente o lado sujo dos Soft Cell e de todo o submundo que é retratado pelo Marc Almond.
O Jonny também estava dentro desses universos mais dos anos 1980?
Nem por isso (sorri). Houve certas referências que foram uma descoberta para ele, mas a cidade foi muito importante no disco: viver numa grande cidade e tentar inserir esses elementos da poluição e da má vida nas canções. Com a imaginação do Jonny, experiências dele ou experiências de pessoas que conhece ou vai conhecendo, conseguiu pôr algumas dessas histórias nas canções. Mas nós tivemos sempre em atenção esse lado de metrópole e que, para nós, acaba por nos influenciar imenso porque viemos ambos de cidades pequenas e fomos para cidades grandes. Realmente existem bastantes diferenças e modos de vida completamente diferente, um lado que ambos gostamos, o tal mais escuro e sujo, que tentamos retratar nas canções.
Quando te perguntei se este Bring The Light trazia o balanço do Fractured Music foi porque senti que este disco, mesmo com o lado mais pop do que eletrónico, vem com abordagens experimentais, como o caso da instrumental “Taste of Murder”.
Também. Houve logo uma ideia inicial para o disco que foi juntar a eletrónica com um lado mais shoegaze e mais noise que está presente em alguns temas. Nas primeiras demos, praticamente todas as músicas tinham uma secção noise – influenciado pelos My Bloody Valentine e pelos Jesus and Mary Chain. O disco tomou o seu rumo e algumas dessas canções ficaram pelo caminho, mas nós quisemos juntar esses dois mundos. Por exemplo, na canção “Bring The Light” está bem evidente esse lado sónico. O disco foi logo construído a pensar que iria ser tocado ao vivo. As canções foram imaginadas a seis mãos – somos três a tocar ao vivo.
No Voyager, ao vivo, tinhas vozes, baixo, sintetizadores e bateria. Aqui altera-se alguma coisa?
Não. Felizmente neste disco o lado ao vivo é fiel ao disco – não contém bateria real, por exemplo. Ao vivo eu assumo o papel de baterista e toco bateria eletrónica e toco sintetizadores, ao mesmo tempo. E uso uma bateria Simmons com pads hexagonais – e dá-me imenso prazer. E tem um certo cenário (risos). O disco está muito ligado a esse tipo de batidas e de ritmos que ao vivo consigo replicar bem. É uma massa sonora que funciona muito bem. Também canto com vocoders – que este disco tem muitas partes. Muitas vezes dizem que os Daft Punk são uma influência para mim por causa disso, mas para mim os Kraftwerk são muito mais importantes para mim nos vocoders do que os Daft Punk. Até porque os Daft Punk não são uma grande referência para Mirror People. Mas continuando: o Jonny canta e toca guitarra e o João Pascoal toca baixo, sintetizadores e canta, também.
“Eu conheci o Jonny Abbey no YouTube – vi duas canções, dois vídeos, e gostei da abordagem e do timbre de voz dele que, de certa forma, encaixariam nos instrumentais que estava a desenvolver na altura”
E as canções do primeiro disco? Ainda as tocas?
Sim, é o Jonny que canta. Por exemplo, gosto muito da versão de “I Need Your Love” cantada por ele. Encaixa muito bem no nosso set.
Agora com o disco cá fora é altura de concertos. Também tens o teu programa Espelho Meu aqui na Antena 3. Há muita coisa a acontecer este ano. No meio disto, já se pensa no que se vai seguir?
Para já não. Quando não estou a gravar discos meus – ou se estiver a produzir discos de outras pessoas – gosto de dar espaço aos discos. É o que chamo de processo de pesquisa, ir à procura de outras sonoridades, outras influências até ao momento em que acho que tenho de gravar um novo disco. Quando se termina o ciclo do disco, sinto que preciso de descansar, de me afastar daquele método de trabalho. E tudo isto até à altura de gravar um novo álbum e começo a fazê-lo (risos). Esse momento nunca é pensado: é um clique que se dá cá dentro que me dá vontade de fazer música nova. Quando existe esse clique ponho mãos à obra e começo a desenvolver algo.
Entrevista: Bruno Martins