por Isilda Sanches
No ano em que Viana do Castelo adota o título Capital Nacional do Techno, a 13.ª edição do Neopop apresenta-se como uma das mais ambiciosas do festival. Entre 8 e 11 de agosto, a normalmente apelidada capital do Alto Minho, conhecida pela tradição e folclore, volta a pulsar ao som de techno, house e outra música de dança de matriz eletrónica. Entre portugueses e estrangeiros, são mais de 70 os nomes que vão atuar ao longo dos quatro dias de Neopop.
St Germain, o projeto de Ludovic Navarre, é um dos que reúne mais expetativas, até porque as suas atuações são raras. Ludovic Navarre, como St Germain, foi um dos protagonistas do french touch, o movimento que em meados dos anos 90 do séc. XX colocou a França no mapa da música de dança. Boulevard, o álbum de estreia (1995), combinou house e techno com jazz, blues e dub, numa fórmula sofisticada e incendiária em pista de dança. Mais recentemente, o álbum St Germain (2015) apurou essa fórmula com reforço de elementos africanos, intensificando a carga rítmica. De resto, St Germain apresenta-se com uma banda que integra músicos do Mali e Brasil.
St Germain não é o único gigante no Neopop. O cartaz desta 13.ª edição faz-se, em grande parte, de estrelas, e Jeff Mills é uma das maiores. Mills é uma figura tutelar da cena de Detroit, um dos nomes mais importantes da história da música de dança em geral, techno em particular. Começou nos anos 80 como DJ, mais tarde como produtor. Criou o coletivo Underground Resistence com Mike Banks, fundou a editora Axis, é o que podemos (devemos?) chamar um DJ do Outro Mundo, tanto tecnicamente (quem se atreve a tocar a seguir a Jeff Mills?) como a nível do imaginário. Mills sempre se interessou por ficção científica, gosta de pensar sobre os limites do humano e as ideias de futuro e até tem um programa de rádio com aprovação e colaboração da NASA! Alguns, menos crentes no techno e na música de clube, acreditam que Mills deu respeitabilidade ao género ao fazê-lo sair da pista e entrar na sala de cinema, com a criação de bandas sonoras para clássicos como Metropolis, de Fritz Lang (1928), ou Viagem à Lua, de Georges Meliés (1902).
Jeff Mills tem de facto expandido os horizontes do techno e tem uma impressionante lista de atuações com orquestra, incluindo a Sinfónica do Porto (com quem gravou o disco Planets, de 2017), sendo também reconhecido no circuito de museus e galerias (já teve uma residência no Louvre). Além disso, tem um projeto com o lendário baterista afrobeat Tony Allen. Está claramente numa categoria à parte.
Josh Wink é outro nome clássico no cartaz. Americano, de Filadéfia, devoto dos sons de Detroit e Chicago, mas capaz de divergir em várias direções sem perder o pulso da pista, Josh Wink tem sido um dos DJ e produtores mais consistentes e versáteis da cena de dança dos últimos 25 anos. O alemão Ben Klock (que fez uma remistura para um dos clássicos dos anos 90 de Josh Wink, “Are You There?”) tem pegada mais recente do que qualquer dos já falados, mas o seu impacto na cena de dança não é muito menor. Ben Klock é uma espécie de lenda dos tempos modernos que ganhou projeção enquanto residente do Berghain, em Berlim, mas tem merecido culto no mundo inteiro graças aos sets de duração épica e sábia gestão da pista de dança. James Holden, o patrão da Border Community, também é conhecido pelos poderes extraordinários que exerce sobre a pista de dança, embora opere num território mais cósmico. Atua com a banda Animal Spirits, o seu projeto de techno espiritual ou, como ele próprio parece preferir chamar-lhe, folk-trance.
Holden atua no Teatro Sá de Miranda no último dia do festival, tal como Surma. No mesmo espaço, um dia antes, atuam o britânico Clark (apresentação ao vivo do álbum Death Peak) e o português GPU Panic. Apesar desta extensão no Teatro Sá de Miranda, que acontece nos dois últimos dias, o coração do Neopop reparte-se por dois palcos: o Anti (em homenagem à primeira designação do festival, Antipop, usada durante três anos), por onde vão passar as promessas de futuro, mas também nomes importantes como Dopplereffekt, referência fundamental do techno de Detroit; e o Neo, palco principal, que albergará os nomes mais fortes.
É aí que toca Nina Kraviz, na madrugada de encerramento do festival. A russa, que, além de ser produtora e DJ, dirige a editora трип (o logótipo e o artwork são de um português, Tombito), é uma das figuras mais carismáticas do techno actual. Não é a única mulher no festival, mas, na estatística, as mulheres perdem. Gustavo Pereira, programador do Neopop, questionado sobre essa questão, admitiu à Antena 3 que é “um assunto sensível”, muito recorrente nos últimos anos na comunidade de música de dança, mas afirma não escolher os artistas pelo género e sim pela música: “acho que é o mais honesto”. Há uma dezena de mulheres no Neopop, e todas sabem bem o que fazem — da israelita Ana Haleta, conhecida como a rainha do techno de Tel Aviv, às britânicas Paula Temple e Rebekah, duas forças do techno que vão tocar em back2back. Também no cartaz, a californiana Mozghan, a sérvia Tijana T e a ucraniana Nastia. Portugal está representado por Surma (ao vivo) e Diana Oliveira.
Como é tradição no Neopop, o contingente nacional é forte, e o seu espectro de ação é alargado. Mr. Herbert Quain vai fazer live act, tal como GPU Panic e Surma, mas o maior esforço está concentrado em DJ sets: Rui Vargas, Magazino, Gusta-vo, Dexter, Tiago, Terzi, Switchdance, Trikk e Tiago Fragateiro são apenas alguns. É importante passar pelo site do festival e conferir o cartaz, que tem também Ivan Smagghe, Kink, Recondite, Solumon, Adriatique ou Ricardo Villalobos, entre muitos outros. A ideia é sempre ir a Viana.