Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
Undertones – “Teenage Kick”
Para que a canção que se seguirá a estas palavras fosse incluída nesta lista bastaria apresentar como argumento o seguinte facto: “Teenage kicks” era a canção preferida de John Peel, donde se conclui que, se a amava tanto o mítico radialista que foi principal responsável pela divulgação do punk, via rádio, em terras britânicas, então “Teenage kicks” tem obrigatoriamente que ser incluída em qualquer lista que nos fale do punk. Podíamos, portanto, ficar por aqui e começar já a cantar o que interessa – “I need excitement, oh I want it bad / And it’s the best I’ve ever had” -, mas não seríamos justos para com os Undertones se o fizéssemos.
Peguemos, então, no verso que acabámos de citar. Os Undertones nasceram em Derry, Irlanda do Norte, no auge dos “Troubles”, o conflito que opôs os nacionalistas irlandeses aos unionistas, fieis à Coroa britânica, e que deixou um rasto de mortes e de atentados, de bombas a rebentar nas ruas e de polícia e exército britânico a rebentar cabeças e corpos de manifestantes. Nasceram dois anos depois do famoso “Domingo Sangrento” em que, para eterna vergonha britânica, catorze civis desarmados foram mortos pelos soldados britânicos enviados para o país para, na versão oficial, ajudar a manter a paz. É neste contexto que os Undertones surgem a cantar que precisam de agitação, de entusiasmo, de coisas a acontecer e que, oh, querem-no mesmo muito.
Em tempos de inacreditável violência sectária, em tempos em que o simples acto de sair à rua em determinado bairro podia ser fatal, caso se tratasse do bairro errado, os Undertones não conseguiam escapar à turbulência: mostravam-no os riffs e a cadência do ritmo, atingida em cheio pela explosão punk, bem como a urgência na voz de Feargal Sharkey. Mas, e aqui reside o génio dos Undertones, essa base sonora servia para cantar aquilo que o rock’n’roll cantava desde sempre, a eterna insatisfação juvenil, a vontade que a vida seja mais interessante do aparenta ser, aquele tipo que é um palhaço porque pensa que é perfeito e toda a gente acha o mesmo, o que torna tudo pior – “My perfect cousin” explica bem a questão. Ou seja, enquanto o inferno se desenrolava à sua volta, os Undertones espetavam-lhe um dedo nas fuças e diziam-lhe que, lá por ser inferno, não lhes ia lixar a vida.
Em Outubro de 1978, Feargal Sharkey, os irmãos e guitarristas John e Damian O’Neill, o baixista Michael Bradley e o baterista Billy Doherty, lançaram o seu primeiro single na editora independente Good Vibrations, sedeada em Belfast. Algures em Inglaterra, um homem ouviu-a na rádio. “Are teenage dreams so hard to beat?”, anunciava-se a canção. E o homem, que há muito deixara de ser adolescente, que encontrara um sentido para a vida quando descobriu o rock’n’roll e que começava a descobrir segunda vida com a chegada do punk, chorou ao ouvir aquelas palavras e aquele som. O seu nome era John Peel e o resto é história. Do punk, dos Undertones.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso